sábado, 6 de dezembro de 2008

Sonho. Sonhei

por Humberto Carneiro

Sonhei que era verdade, pensei em construirmos juntos muita coisa.
Construímos uma árvore de Natal. Ficou linda como ela, como o seu sorriso e a sua alegria.
Sonhei que ensinaria a dirigir. Ia ser muito divertido. Os erros seriam motivo de muitas alegrias e os acertos com certeza estímulos. Faria junto com ela vários testes simulados no computador para prepará-la a enfrentar o exame do DETRAN. Enfim tiraria a carteira de motorista. Iria dirigir e me ajudar quando necessário. Ia aprender a dirigir até carrinho de Supermercado... haha.
Sonhei que muitas vezes iria vê-la comer uma alcatra para dois e depois tomar sorvete. Íamos rir muito juntos.
Sonhei que faríamos muitas coisas. Iria ver um agradecimento e a preocupação com os gastos e ver nossos olhares lacrimejar entendendo que foi Deus que nos colocou próximo naquele momento.
Não pude dar a ela o Panetone que comprei e que estava na mala do carro. Ela desceu e disse que não disse. Só consegui vê-la andando com seu cabelo ‘pedra lascada’... haha. Não deu nem para tomar um café. Ela se foi. Voltará?

O telefone tilintou, pensei que fosse ela, o coração bateu mais forte. Atendi. Não era. Voltei decepcionado. Com o tempo me acostumo.

Sonhei que iria a Paraty. Ela iria gostar muito. Faríamos um passeio de barco. Visitaríamos lugares históricos. Poderia ir a Belo Horizonte. Ela ficaria com a família e eu iria a Savassi lembrar tempos passados. Depois voltaríamos juntos.
Sonhei mostrar Porto Seguro e adjacências. Ia amar. Voltaria sempre alegre com seu sorriso.
Poderia levá-la ao trabalho todos os dias e aproveitaria para dar uma volta na Lagoa e manter minha forma.
Sonhei que iria a Búzios e muitos outros lugares conviver com a alegria. Petrópolis e o Museu Imperial. Onde pudesse, levaria o sorriso dela.
Sonhei ver a alegria com o presente na árvore de Natal. Seríamos alegres.
Sonhei um dia morar junto.
Agora resta desconstruir a árvore de Natal em janeiro, desta vez sem o sorriso dela. Vou sentir muitas saudades. Difícil será desconstruir o amor que cresceu rapidamente.

(Humberto Carneiro nasceu em Curitiba e se formou em engenharia mecânica na Uerj.
É artista plástico e produz (muitos) contos nas horas vagas. Contista convidado para estreiar a nossa coluna Autor Convidado)

terça-feira, 30 de setembro de 2008

Sô e Sô

por Charles do Nascimento

5h50min. Chove forte. Antes do despertador tocar, Solange pula da cama, livra-se do pesadelo e logo percebe, pelo barulho da rua, pois cada minuto da manhã tem um barulho diferente, que acertara mal o relógio. Na verdade, já são 6h10min. Dez a mais, era preciso correr para compensar o atraso. Sem tempo nem para se espreguiçar, corre para a cozinha e joga fora o resto de café. Lava cuidadosamente a cafeteira e prossegue o balé sincronizado das donas-de-casa. Pega mais pó de café no armário e liga o rádio para ouvir as primeiras notícias do dia. Hoje à noite vai ao ar o último capítulo da novela, quem sabe os jornais antecipam alguns detalhes...

Enquanto o café passa, ela corre para o quarto ainda escuro e pega o vestido amarrotado, jogado sobre a cadeira. “É bom não acender a luz, senão o César acorda, coitado! Ele trabalha o dia inteiro”. Às pressas, mas sem fazer barulho, passa correndo pelo quarto onde dormem os dois filhos. “Se acordarem, não faço mais nada”.

Na padaria, antes de abrir a boca, o português se antecipa, num tom de voz elevado.
– São seis pães franceses e um leite: R$ 3,30.
– Aumentou, seu Manoel?
– Tudo aumenta, por que o pão não haveria de aumentar?
O grosso de sempre.
– Então, amanhã eu trago os 30 centavos.
– Não esqueça. E aproveite para ver se não há cascos lá em sua casa...

Enxotada da rua pela chuva, Solange retorna a passos largos para casa. Prepara a mesa, passa manteiga no pão, ferve o leite. “Nossa! Já são 6h25min. Está passando da hora de acordar o César. Ainda bem que hoje é sexta-feira”. Uma sexta-feira especial. “Foi num 12 de maio como esse, há 20 anos, que começamos a namorar”. Até a celebração do casamento, passaram-se inacreditáveis 13 anos entre namoro e noivado. A data foi cuidadosamente escolhida por ela para coincidir com o início do namoro. Não haveria como o César esquecer. “Bobagem, homem não lembra dessas coisas”. Enfim, tudo bem, hoje ela está mais preocupada com outra coisa.

O amor esfria com o tempo. Hoje é o dia do último capítulo.

Solange retoma as atividades. O marido acorda praguejando contra a
chuva, toma banho, bebe o café sem se sentar à mesa e se despede.
– Até logo, Sô – diz o pai de seus filhos. E, como faz todas as sextas-feiras, vai de carro para o trabalho. Geralmente às sextas volta mais tarde. Ela abre o portão, aguarda ao menos um sorriso tímido que não vem e volta para as tarefas do lar. Sozinha, diante do rádio, estranha: “Não vão mesmo falar nada sobre a novela?”.

Um breve cochilo no sofá e já são 7 horas. Hora de acordar o Thiago, de 7 anos. Olha o velho relógio na parede da sala. “Nossa Senhora, de manhã o tempo voa!”. Thiago, para variar, não quer tomar banho. Pentear o cabelo é uma dificuldade; colocar o uniforme, outro parto.

7h50min. Ir a pé até à escola levará, em média, 15 minutos.
– Traz logo a droga do guarda-chuva. Se chegar atrasado de novo, a professora vai me chamar a atenção.

E sai com a dor de consciência de todos os dias: Matheus, um ano mais novo, ficará sozinho em casa por intermináveis 30 minutos.
Quando volta, a chuva já estiou. Solange aproveita o sono do caçula para colocar a lavagem de roupa em dia. No bolso do marido tem um papelzinho com um nome e número de telefone. “Sofia. Quem será? Nunca ouvi falar nessa mulher. Vou ligar”, decide. Mas volta atrás: “Melhor não. Quem procura acha. Que merda de pensamentos! E a novela, vão falar nisso ou não?”.

Finalmente toma um gole de café, mas aí o outro filho acorda, chorando de fome. O balé é retomado, manteiga no pão, leite fervido, é hora de ajudar o menorzinho nos estudos. Não deu para colocá-lo no mesmo turno do irmão.

12 horas. Matheus resiste ainda mais ao banho. Pentear o cabelo é uma dificuldade, vesti-lo, outro parto. Almoça já atrasado, a mãe novamente põe a roupa de sair. Cadê tempo de almoçar junto com o filho? A pé, o mesmo percurso da manhã. Ela repete:
– Se você também chegar atrasado, a professora vai me chamar a atenção
de novo.

Volta com o mais velho, serve o almoço, Thiago dorme, graças a Deus. Agora sim, ela vai ter tempo para si mesma. Si mesma? Varrer a casa, lavar o banheiro, guardar os brinquedos espalhados pela sala. E então toca o telefone.
– Essa porcaria desse telefone vai acordar o...

É da floricultura. Perguntam se é da casa do senhor César da Silva e Souza. É que ele passou um cheque, e o rapaz precisou confirmar alguns dados. Solange parece não acreditar. “Nossa, ele lembrou! Afinal, 20 anos não são 20 dias!”. E prepara o jantar especial: macarrão com frango. Ah, e um bolo de sobremesa. “Quem sabe dona Hermengarda pinta minhas unhas para eu pagar depois?”.

Ingredientes comprados, vai com o filho mais velho ao banco pagar contas atrasadas. Ela sai da agência às cinco da tarde, corre para buscar Matheus.

O tempo vai passando. Já são quase 9 horas e nada do marido. Entra a propaganda eleitoral gratuita. Crianças para a cama. E ela deita para descansar um pouco.
– Acorda Sô! Vai dormir na cama!

Duas da manhã.

– O bicho pegou lá no parque gráfico. Deu uma pane, as máquinas enguiçaram, os geradores pifaram e aquele filho da puta obrigou todo mundo a ficar até mais tarde. Depois fui com a rapaziada tomar uma cervejinha lá mesmo em Caxias.

Sofia também mora em Caxias. Não recebeu as flores, mas ainda assim foi uma trepada inesquecível. Um ano de namoro escondido do marido dela e da mulher dele. César teve sorte, também chama a amante de Sô. Nunca iria se confundir. A mulher jamais desconfiaria. E o rival não liga tanto para a mulher. O corno é jornalista, sabe de tudo, menos do dia 12 de maio, uma data que o César nunca esquece, qualquer dia vai lembrar o porquê disso...

De repente, lembra-se do cheque na floricultura. Só no trabalho viu que não tinha cobertura. Será que ligaram para sua casa? Não. Sô, ou melhor, Solange teria dito. De qualquer maneira, resolve sondá-la.
– Que cara de sono mais esquisita! Está preocupada com alguma coisa?

Só então é que a mulher se dá conta de que esquecera algo importantíssimo:
– Ai meu Deus! Será que vão reprisar o último capítulo logo mais?


(O texto faz parte do livro Parem as máquinas: jornalistas que valem mais de 50 contos, ed. Casa Jorge)

quarta-feira, 27 de agosto de 2008

Não quero dar adeus ao Cine Paissandu...

por Ana Maria Chagas

Hoje de manhã recebi a ligação da amiga Magali Almeida e quando comecei a dar os parabéns pelo seu aniversário, ouvi a voz mais decepcionada do mundo:
- Ana, vão fechar o Paissandu! Como é que deixam isso acontecer?

O Cine Paissandu fica no bairro do Flamengo, RJ, onde Magali esteve presente na primeira sessão de apresentação do filme Casablanca que assistiu suspirando por Humphrey Bogart.

Foi tão triste quanto receber a notícia da morte de um parente. Juro.
Não quis acreditar.

Busquei a notícia no Google e encontrei a reportagem “A Última Sessão do Estação Paissandu” de Eduardo Fradkin (O Globo - 24/08/2008 05:00:09) dizendo que após 48 anos de existência fechará no dia 31 de agosto “(...) o cinema que formou, nos anos 1960, a Geração Paissandu, rótulo que agrupava jovens cinéfilos e intelectuais de esquerda incapazes de perder os longas de Jean-Luc Godard, Louis Malle, Michelangelo Antonioni, François Truffaut e outros cineastas autorais”.

Viram só? Sabe aquele tempo em que os jovens era mais antenados com os acontecimentos políticos e econômicos do país? Onde eles se reuniam? Cine Paissandu!

E daí se hoje a nova geração prefere o shopping?
Ah! Se eu pudesse ensinar aos jovens o quanto um filme de Truffaut, Kieslowski e tantos outros agregam para a formação do nosso pensamento crítico, nossa personalidade e da importância do “ser” em detrimento do “ter” tão valorizados nos enlatados americanos!

Eu que sempre me senti uma “excluída cultural” por não ter acesso à filmes estrangeiros e aos chamados “filmes alternativos” nos cinemas da Zona Norte do RJ, agora nem mesmo na Zona Sul.
E o que vão construir naquele terreno? Já não temos supermercados e igrejas demais?
Nada contra, mas além do pão para corpo e espírito, a população precisa de alimento para o raciocínio, para as novas experiências, cultura enfim.

Não quero dar adeus o Cine Paissandu.
Quero me encher de esperança de que no exato último instante - como nos filmes mais emocionantes da história – apareça a cavalaria chamada “patrocínio” e salve este maravilhoso patrimônio carioca.

Ah! Não resisto! Vou fazer um apelo:

"Empresários: uni-vos! Será que não existe nenhum empresário cinéfilo que possa ajudar na preservação e continuidade do nosso Cine Paissandu?"

domingo, 24 de agosto de 2008

Também quero brincar!

por Ana Maria Chagas


Vocês leram?
A Ieda nos convidou pra brincar!

Apresento pra vocês então meu dois xodós: Asterix e Calvin.


Tenho toda a coleção de revistas em quadrinhos do Asterix & Obelix desde menina, presenteada por meu pai. De vez em quando ainda tomo essa poção mágica de humor folheando uma delas. É revigorante e me dá uma força incrível.
E este Asterix veio da Europa (chique né?). Encomendei de uma amiga que foi à França.

Já o Calvin representa meu lado moleque e argumentador.
Sempre que preciso, olho pra ele e lembro daquela pergunta insistente que as crianças fazem e que não devíamos nunca abandonar ao crescer: "Por que não"?
Este aí comprei numa lojinha do Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB-RJ).

Gostaria muito de ter também os pares de cada um: Obelix e Haroldo.

Pra não se sentirem sozinhos, coloquei juntos na minha prateleira.
Mas de vez em quando pulam pro computador. Olhem só :

Vamos lá Charles! É sua vez!

Começou a brincadeira e passei a bola pra você! >:op

sábado, 23 de agosto de 2008

Brasilidade

por Ieda de Oliveira

“(...)
Somos nós que fazemos a vida

Como der ou puder ou quiser
Sempre desejada
Por mais que esteja errada
Ninguém quer a morte
Só saúde e sorte
E a pergunta roda
E a cabeça agita
Eu fico com a pureza da resposta das crianças
É a vida, é bonita e é bonita
Viver, e não ter a vergonha de ser feliz
Cantar e cantar e cantar
A beleza de ser um eterno aprendiz
Ah meu Deus eu sei, eu sei
Que a vida devia ser bem melhor e será
Mas isso não impede que eu repita
(a vida) É bonita, é bonita e é bonita.” (*)

Viver e não ter a vergonha de ser feliz (Gonzaguinha)
(*) grifo meu


Domingo acordei totalmente abrasileirada. Sintonizei na MPB FM e, sob o som de Vinícius, Simonal, Novos Baianos, Jobim, Elis, Jackson do Pandeiro entre outros não menos sensacionais, cantei e cantei e cantei. E não foi por causa do clima de medalhas, lutas, sangue e suor dos nossos atletas em Beijin, não (que, aliás, merecem aqui todo o meu carinho e palmas pelo empenho nestas Olimpíadas), mas devido à brasilidade que me abateu nesses últimos tempos.

Pois então, terminei de ler dois livros de Machado de Assis (confesso, ainda não tinha lido Dom Casmurro. Mas, mais do que nunca precisava saber, afinal, se Capitu traiu ou não traiu Bentinho. Querem a minha opinião? Depois eu digo em outra crônica, ok?) e emendei nos melhores contos de Rubem Braga. Sobrou um tempinho e li sobre cerca de 90 escritores estrangeiros, mas me impressionei e corri para ver a exposição da Clarice Lispector (a escritora ucraniana mais brasileira que o Brasil já teve) lá no CCBB, no Centro do Rio. Aproveitei e adquiri dois livros dela no mesmo dia. Mas hoje, segunda-feira, não resisti e entrei na Livraria da Travessa e comprei Doidas e Santas da Martha Medeiros, lançado semana passada.

E assim a pilha de livros vai aumentando. É preciso ser justa e manter a ‘ordem de chegada’. Mas já estou mal vista por eles (os livros). Se tivessem vida própria, já daria para ouvir as reclamações. “Lá vai ela pegar a Clarice... eu estou na fila há dois meses!” “Não, reclama, não, Saramago. E eu que estou aqui na fila desde 2006!” “Ah, tá, Luiz Fernando, quem me garante que ela não irá ler primeiro a Martha que comprou hoje”, observa Clarice. Ai, que vergonha...

Enquanto discorro sobre arte, cultura e a ‘grande descoberta’ de ser brasileira, reflito também sobre algo importante e de onde origina todo esse orgulho de ser brasileiro ou mesmo o prazer de viver, saber viver: os princípios e valores passados pelos nossos pais e pelos pais dos nossos pais e pelos pais destes. Penso e torço pelos homens e mulheres que diariamente acrescentam verdadeiros valores através de valiosas atitudes – pequenas ou grandes - e que deixam como herança – mesmo que ofuscada pelos valores vendidos por outras culturas – aos filhos, aos seus futuros homens.

A arte, a cultura, o trabalho, a religião, a dignidade sobrevivem através de poucos que estão aí... lutando para ver o mundo melhor. E o mundo melhor, não é aquele dia quando o sol está bonito lá fora e vai dar praia ou quando o Brasil ganha uma Copa do Mundo (tão patético exemplo), não. O mundo melhor é o seu! É aquele que você pode oferecer ao outro. É o mundo que você oferece a sua família, que a família oferece a sua comunidade, que a comunidade oferece ao seu bairro, que a oferece a sua cidade, que oferece ao seu estado, que oferece ao seu país, enfim, ao resto do mundo!

Portanto, o meu mundo melhor hoje é fazer uma boa leitura, indicar uma boa exposição que resgate mundos melhores do passado, ouvir um bom CD de chorinho (gravado na Lapa, hein!), dar uma ou duas voltas na Lagoa Rodrigo de Freitas, ou mesmo naquela pracinha simples perto de casa e comer um pastel que só lá se faz, ou escrever aqui o quanto eu desejo que o mundo seja sempre o melhor para você!

Nossos Betinhos

por Ieda de Oliveira



Saudades do Betinho (ver em 4/8/8) teve ótimos comentários. Uns foram a favor de um resgate cheio de estratégias da casa de minha sobrinha Alessandra, outros refletiam sobre os seus próprios ‘Betinhos’. Meninas e meninos quarentões que, no fundo, no fundo, ainda mantém seu 'betinho' guardado em casa – ou na casa dos pais, pelo menos.

Tais 'betinhos' podem estar representados através de uma coleção de miniaturas ou de um boneco do Star Trek ou do Falcon; ou de uma boneca Susie ou alguma mais antiga ainda; ou num anel achado numa caixa de sucrilhos. Podem estar representados na compra daquele almanaque dos anos 70, 80, 90 (até do Fusca!) ou daquele livro maravilhoso e inesperadamente encontrado numa feira de livros antigos...

Cada um tem o seu betinho da forma que melhor lhe fizer bem.

By the way, qual é o seu Betinho?

**



Betinho no aniversário de 25 anos da Alê, no dia 10.

Ieda

domingo, 17 de agosto de 2008

Olhares...

por Ana Maria Chagas

Vocês já observaram uma cena poética, original, por vezes indescritível e na hora H não tinha uma câmera fotográfica?

E quando uma cena diz muita coisa pra você, mas não adiantaria fotografar porque o sentimento é todo seu? Daí você quer contar pra alguém, mas as palavras parecem não conseguir exprimir todos os detalhes. Nem da cena observada, nem do seus sentimentos em relação a ela. E parece que o encanto pertenceu só aquele minuto e não pode ser repassado a ninguém.

Moro próximo à uma praça e da janela posso observar diariamente alguns momentos poéticos despertados pelas pessoas que a freqüentam, pelas árvores ao redor e pelos pássaros que moram nelas, como estes:

- O olhar do menino era como o céu ao escurecer misto de azul e o negro – e refletia a vitrine da loja onde, de nariz colado, fixava o pequeno caminhão de bombeiro exposto à venda. Sabia que o pai estava impaciente para ir embora, mas não podia perder nenhum detalhe do que passou a ser seu mais novo objeto de desejo infantil, para melhor relatar quando a zanga do pai já tivesse passado.

- O homem inquieto, a cada minuto olhava o relógio e ao redor. Era jovem, meio gorducho e, por vestir uma camisa larga sobre a bermuda comprida até aos joelhos, parecia baixo e atarracado. Um boné disfarçava um princípio de calvície e nos pés usava tênis já meio gastos. De repente, algo lhe desperta a atenção ao olhar. Retira o boné acertando os poucos fios rebeldes, alisa a camisa decidindo que ficaria melhor por dentro da bermuda e busca no banco onde estivera sentado uma rosa embalada em celofane. Recebe o abraço de uma moça mais alta e sorri como aliviado. Teria sido perdoado?

- Justamente no meio do inverno, uma pequena vegetação que vinha crescendo com galhos ressecados em meio a um pequeno canteiro mal tratado, resolveu florescer. Uma, duas...muitas flores amarelas. Localizada próximo ao movimento intenso de um ponto de ônibus, mesmo vestida pelo sol da manhã, ninguém a notou.

- Verão. Calor. A cabeceira da cama colocada embaixo da janela não foi proposital, mas por falta de espaço. E numa linda manhã ao despertar, vimos um pequeno beija-flor investigando o quarto. Nossa surpresa o assustou. Vimos que voltou ao ninho, no galho mais alto da antiga amendoeira do centro da praça e deve ter vindo apenas avaliar se havia perigo ao redor. Ou seria um simpático gesto de visita aos vizinhos?

Por favor, não me acusem de voyeurismo. Afinal, de médico, louco e voyeur todo mundo não tem um pouco?

quinta-feira, 14 de agosto de 2008

Rebobinamento digital

por Ieda de Oliveira

Esta semana, resolvi substituir o bloquinho de anotações pelo meu velho gravador. Em vez de ficar escrevendo, registrar as idéias para as minhas crônicas no tape. Na hora do almoço saí à cata de uma fita Cassette (ou K7, lembram?). Uma colega do trabalho foi logo me avisando: 'Você não vai encontrar...' Como não? Não acredito que as fitas Cassette já estejam todas abolidas, gente! Apesar de toda essa tecnologia nova, as fitas devem estar sendo vendidas em algum lugar. E os repórteres gravam com o quê, então?

A primeira loja, um laboratório fotográfico. A vendedora não entendeu a pergunta. 'É uma fita Cassette, aquela que a gente coloca num gravador e...' Eu estava praticamente fazendo mímicas e ela continuou sorrindo, ou melhor, continuou não entendendo do que se tratava exatamente.
Comecei a ficar preocupada. Não pelo fato de não encontrar mais a bendita fita, mas por começar a me sentir velha e ultrapassada. Já, meu Deus!? A situação lembrou os relatos do meu pai sobre gramofone, transistor de rádio, válvulas de televisão etc. E agora, eu aqui, passando pela mesma sensação que o coitado devia passar quando eu o olhava como se estivesse relatando sobre a vida em outro planeta; ou mesmo a minha mãe quando dizia que qualquer aparelho com mais de dois botões, nem precisava comprar para ela.

A segunda loja, uma mega store. Na minha opinião, ou esperança, como queira, ali eu encontraria, ao menos, algumas.
Um vendedor chamou o outro para ajudar. Precisava mesmo? Uma convenção começou a se formar:

- A senhora quer dizer gravadores com microfita, certo? - disse o segundo vendedor.

- Não, microfita é para secretária-eletrônica. Eu quero aquelas fitas maiores, tamanho padrão para gravador, gravador, sabem...?
– comecei de novo com as mímicas. - Não é fita pra vídeo, não, hein...

- Ah... então é o gravador digital.

- Gravador digital? Digital? Mas gravador digital não é aquele gravador de DVD, não? -
Será que se eu falasse do walkman, eles atinariam pra coisa ou ririam na minha cara?

- Não, este usa USB PDR180 ou RR-US450, depende do mod...
– informava o primeiro vendedor.

E pronto. O pânico se instalou de vez. Não entendi ou ouvi mais nada. Agora era real: eu estava vivendo em um mundo paralelo ao meu. Eu me senti um personagem de Além da Imaginação! Falava de algo que ninguém sabia do que se tratava!


E isso não é de agora. Na festa de vinte anos de formatura, em 2006, a filha de um ex-colega de faculdade ficou impressionada por não existir celular na nossa época: 'Como os caras faziam para avisar às namoradas que estavam chegando e que era pra descer?' Humm... Sabe que não me lembro mais!
É... só sei dizer que de lá para cá comecei a ficar receosa. Para mim, ainda era cedo para preocupações com a idade; eu recém-chegada à casa dos 40. Mas agora a coisa estava ficando, digamos, mais pesada para o meu lado.

Mas é fato. Adaptação é a palavra de ordem. Como no exemplo clássico daquele torneiro-mecânico que se preocupava em perder o emprego para um robô, que certamente tomaria o seu lugar porque tinha tecnologia capaz de desenvolver as tarefas diárias de maneira bem mais rápida que o ser humano. Foi aí que alguém sugeriu ao operário que aprendesse a manejar o robô para se manter no mercado. Nada mais acertado a ser feito: se adaptar às novas metodologias de trabalho. No meu caso, às novas mídias de comunicação.

O avanço da tecnologia ganha cada vez mais espaço na vida da gente. Mesmo que queiramos fugir ou bater o pé 'que nem o celular' vai usar, a tecnologia ainda vai te 'pegar'. Ainda outro dia mesmo, um amigo foi ao Ministério da Fazenda e para ser atendido precisava de senha. 'Claro, aonde pego?' 'Pela internet, no site da Fazenda.' É isso: senha pelo site. E quem não tem acesso a computador...

Resistente (puxou ao pai), ontem eu me peguei pesquisando no Google por modelos de gravadores... digitais. Adaptação, ainda que tardia...


PS.: Depois de ir a mais três lugares naquele dia, encontrei as fitas K7 em uma lojinha pertinho do trabalho. Se alguém aí quiser o endereço...

E apenas por curiosidade arqueológica:
http://pt.wikipedia.org/wiki/Cassete
http://www.tapedeck.org/

segunda-feira, 11 de agosto de 2008

Lar, doce bar

por Charles do Nascimento

O grande Moacyr Luz, sambista da primeira grandeza, está fazendo sucesso também no mercado editorial com a obra Manual de sobrevivência nos butiquins mais vagabundos. O livro estimula a reflexão sobre as práticas e tradiçõesno Rio de Janeiro, com base nos hábitos e comportamentos que caracterizama maneira própria de ser do cidadão carioca. A publicação, um relato importantesobre a memória cultural do Rio de Janeiro, reúne depoimentos e registra aspectos da cidade e os valores de uma cultura muito peculiar, que ainda influencia o resto do país.

Em outro livro (Meu lar é um botequim) Eduardo Goldenberg rende homenagemaos botequins mais vagabundos (e irresistíveis) da Tijuca e de Vila Isabel, bairros da zona norte onde o autor nasceu e foi criado, respectivamente. Outras publicações pegaram carona no mesmo mote e estão 'pipocando' por aí. A própria prefeitura municipal, há alguns anos, patrocina a publicação de um guia sobre os melhores botecos do Rio.

O redator-que-vos-fala também não resiste a um bom pé sujo. E ao longo de três décadas de freqüência assídua (sobretudo antes do matrimônio), coleciona histórias saborosas para compartilhar com os amigos próximos e os amigos de ocasião. Uma delas foi contada recentemente, pelo próprio Moacyr Luz, durante um bate papo em Santa Tereza.

O autor de Saudades da Guanabara conta que, segundo a lenda, o cliente teria chegado a um bar, olhado a vitrine e escolhido o salgado a seu gosto.

- Eu quero aquele quibe. - disse o cidadão, com ar um tanto autoritário.
Sem perder a pose, o português por detrás do balcão respondeu prontamente:
- Que quibe porra nenhuma!.
Com um pano de prato pra lá de encardido, espantou as moscas da vitrine e retrucou:
- Isso aqui é ovo cozido, vai querer ou não?

Se fossemos fazer uso deste espaço para narrar histórias e anedotas de botequim, esse blog seria pequeno. Mas uma tendência estranhamente moderna é dignade nota: a idéia recorrente de os novos proprietários 'modernizarem' alguns dos mais tradicionais pés-sujos da cidade. A novidade, que começou pelos estabelecimentos mais famosos do centro e da zona sul, está se estendendo para botecos bem mais modestos, situados em bairros mais distantes. Pois fica aqui um protesto! Freqüentador de verdade não tolera botequim de grife. Esses bem limpinhos, metidos a besta que reúnem mauricinhos, patricinhas e pseudos-intelectuais de ocasião. Em geral, cobram um preço exorbitante e a comida não presta.

Em tempos de globalização, essa tendência chegou também à longínqua e aprazível Vila da Penha, Zona Norte do Rio. O próprio redator-que-vos-fala foi vítima. Após um dia exaustivo de trabalho (e qualquer trabalho é exaustivo), embarcou no ônibus da linha 350? Passeio-Irajá. Até chegar ao destino, a 28 Km dedistância, foi necessário ficar 1h30 esmagado entre mais de 120 passageiros.

Como ninguém é de ferro, antes de começar a segunda jornada de 'tarefas' no seu sacro santo lar, resolveu dar uma paradinha 'tudo muito rápido' no bar em frente ao ponto de ônibus. E eis que para minha surpresa um dos meus pés-sujos prediletos desapareceu. Como num passe de mágica, simplesmente virou pé limpo. Agora foi todo reformado, pintado, ganhou balcão de madeira, piso branco, mesas de granito etc e tal. No cardápio, hambúrguer, hot dog, açaí com granola. O banheiro está mais cheiroso do que o lá de casa... Enfim, ficou tudo uma grandessíssima merda!

O empresário que financia um absurdo desta monta, na realidade não reconhece o verdadeiro papel social do seu negócio. E fica aqui a nota de desagravo. Salvem os últimos pés sujos remanescentes, que deveriam ser tombados como patrimônio cultural da cidade! A cantora Alcione, em uma de suas mais brilhantescomposições, faz um relato definitivo:

Mesa de bar
É lugar para tudo que é papo da vida rolar
Do futebol, até a danada da tal da inflação
É coração, fantasia e realidade
É um ideal paraíso adonde nós fica a vontade

Mesa de bar
É cerveja suada matando a pau o calor
Vamos cantar aquela cantiga que fala da luta e do amorMas antes brindar em homenagemAqueles que já não vem mais
Saúde pra gente, moçada, que a gente merece demais

Em torno de um copo a gente inventa um mundo melhor
A dona birita levanta a moral de quem está na pior
A água da mágoa se enxuga no pano daquela toalha
Pra acabar com a tristeza
Esse remédio não falha

Na mesa de um bar todo mundo é sempre o maior
Todo mundo derrama as tintas da sua alegria
Copos batendo na festa da rapazeada
Se bem que a gente não esquece que a barriga anda meio vazia

É que mesa de bar é onde se toma um porre de liberdade
Companheiros em pleno exercício de democracia
Mesa de bar é onde se toma um porre de liberdade
E companheiros em pleno exercício de democracia

sábado, 9 de agosto de 2008

Dia das meias (ou melhor, dos Pais)

por Ieda de Oliveira

Eu me lembro das comemorações aos Dias dos Pais na época de menina, ainda na escola pública, época na qual os nossos pais eram sempre surpreendidos com um presente inusitado: um par de meias! Ehhh! Invariavelmente, a lembrancinha era grudada em alguma figura, cujo formato lembrasse uma bola, gravata ou sapato recortados em cartolina. Não havia outra coisa para dar de presente aos pais: eram meias, meias ou... meias! Todo ano! Mas justiça seja feita, ao menos as cores variavam. Ou eram beges, brancas (as minhas preferidas), pretas, listradas... As meias procriavam. Acho até que a minha mãe estocava pares e mais pares de meias. Pois, no ano seguinte, com toda certeza, a escola pediria às mamães para levarem um (novo) par para que o pimpolho pudesse 'surpreender' o papai no segundo domingo de agosto. Pior talvez fosse para os pais de filhos que estavam em creches e que recebiam alguma coisa não identificada feito à mão – chique, né! – e pintado de modo a provocar inveja a qualquer artista plástico vanguardista.
E no grande dia, então, cabia aos queridos homenageados exibirem o seu melhor sorriso e deixarem aflorar todo o talento de ator para externar o ar de surpresa ao ser agraciado com (mais) um par de meias do filhão – no caso do ‘seu’ Evilásio, da filhona aqui.

Mesmo quando garotinha, eu ficava cismada com as escolhas da escola no quesito lembrancinhas. Meias? De novo? Como meu pai, eu me surpreendia todo ano com esta escolha. Pô, achava a maior falta de criatividade presenteá-lo com (mais) um par de meias. Seria a minha mãe realmente cúmplice dessa tramóia escolar?? Não lembro de vê-la entregar par de meias algum à professorinha... Será que os homens não gostam de outra coisa? Será que não apreciariam receber algo diferente? – eu me questionava. Não era possível que um pai realmente amasse tanto receber (mais) um par de meias e, ainda assim, externassem aquela alegria e surpresa que sempre nos convencia ser de muita satisfação.

E era realmente... satisfação.

Não eram as meias de marcas desconhecidas ou – quando a escola raramente variava – o pente Flamengo ou o lenço Presidente que deixavam os nossos pais tão felizes. Era o carinho, somado à inocência dos seus filhos aos lhes presentearem com algo tão simples. Qualquer algo. Fossem meias, lenços, pedras pintadas ou mãozinhas coreografando um pôster. O que os faziam de fato felizes era ser pai e ver o brilho nos olhinhos dos filhos ao homenagear o cara mais importante da vida deles.

"Ah, meu filho... não precisava!" E não precisava mesmo, acredite. "Me basta o seu carinho, o seu amor e a sua presença...!" É verdade. É a mais pura verdade. A gente não acredita quando somos filhos. Mas quando nos tornamos pais, (re) descobrimos que os melhores presentes de um filho são os reais sentimentos demonstrados por eles. O orgulho de receber de volta os valores e o amor passados desde o nascimento.

Mas muitos anos me separam daquelas meias de marcas desconhecidas. Os presentes evoluíram e o meu ‘velho’ mais ainda como pai. Ainda lembro do dia em que ele chegou e me disse com a voz levemente embargada: "Minha filha, a partir de hoje eu serei o seu pai e a sua mãe..." e me abraçou chorando. Foi a maneira que encontrou de me informar da partida de sua companheira de quatro décadas, há quase 17 anos. E até hoje, com saudáveis 82 anos de idade, dá conta dessa promessa! Mais presente do que nunca na vida dos três filhos. Como pai, superou as próprias expectativas. Está sempre repetindo para quem quer que seja que os filhos são o seu esteio. Mal sabe que ELE é o nosso esteio. Diante dele, ainda nos sentimos adolescentes dependentes da segurança e do apoio paterno. Acredito que ele ainda nos veja, literalmente, como crianças e não como 'coroas' na casa dos quarenta e cinqüenta e poucos anos. O 'velho' ainda segura as nossas mãos e nos recomenda atenção ao atravessar as ruas, fechar as portas e janelas ao se deitar e evitar estranhos que nos abordam. E toda noite, reza para a Nossa Senhora de Aparecida pelos pimpolhos das meias de sua eterna e extensa coleção.

Feliz Dia dos Pais a todos!

Feliz Dia dos Pais, pai!

quinta-feira, 7 de agosto de 2008

Ô pai!

por Ana Maria Chagas

Ah! Lá vem mais uma comemoração do Dia dos Pais e eu aqui com muita saudade do meu.
Ô pai! Como gostaria de poder andar no seu carro novamente pelas ruas do Rio, com você ao volante, parar num sinal, vê-lo apertar o botão que aciona o “limpa- vidros” desregulado, fazendo a água espirrar como um chafariz na direção da vítima parada ao nosso lado com a janela do carro aberta, fingir não olhar e manter-nos sérios até estarmos bem longe para enfim soltar gargalhadas ao vento.

Ele adorava dirigir, mas por causa da idade, foi se tornando distraído ao volante se envolvendo ocasionalmente em pequenos acidentes que o aborreciam muito, mas nos divertiam muito mais. Uma vez, em meio ao trânsito próximo ao Norte Shopping, na Zona Norte do RJ, não freou a tempo e esbarrou de leve no pára-choque do carro que estava à sua frente. Talvez por se tratar de um zero quilômetro ou por imaturidade, o motorista saiu do automóvel, olhou para o pára-choque irado e disse:

- Vai ter que pagar! Eu sou advogado! Eu sou advogado!
E meu pai com toda a calma que seus cabelos brancos lhe ensinaram respondeu:
- Não tenho dinheiro pra te pagar não! Eu sou aposentado! Eu sou aposentado!

Além de brincalhão, esse velhinho era também muito corajoso. Aos 70 anos de idade, lembro do assalto à mão armada que sofreu em 1999. Num gesto insano de defesa de seu patrimônio mais querido - um Passat 1975 – ele reagiu à ordem de entregar o automóvel para o sujeito armado sentado ao seu lado, acelerando ainda mais a velocidade e entrando na contra-mão da Avenida dos Democráticos, no bairro de Bonsucesso - RJ onde morava, lutando com o assaltante pela posse do volante até chegar ao final desta mesma avenida onde havia uma delegacia. E com uma perícia de causar inveja aos filmes de James Bond, subiu a calçada freando bruscamente, fazendo correr os policiais que ali estavam e o próprio assaltante que abandonou o carro às pressas sem olhar para trás.

Após esta overdose de adrenalina, para minha angústia, recebi seu telefonema contando a aventura da noite e de tão excitado, nem ouvia minhas súplicas pra que viesse dormir na minha casa:

- Ô pai! E se o ladrão voltar aí pai?, disse eu.
- Por isso mesmo que tenho que ficar aqui, ué! Ele pode voltar!
- Ô pai! Deixa de ser teimoso!

Mas na manhã seguinte me visitou, aparentando medo. Parecia um menino que fez algo de muito errado. Ouviu minhas repreensões, fez cara de arrependido e depois me contou com todos os detalhes o que poderia ter sido mais uma tragédia daquelas que lemos quase que diariamente nos jornais.

Perdoem-me amigos leitores. Pensando em escrever algo interessante para vocês hoje, só conseguia pensar em como ando doída de saudade.
Saudade do barrigão difícil de contornar com os braços, dos ombros de travesseiro, dos cabelos de neve e dos lindos olhos castanhos esverdeados que diziam mais do que qualquer palavra.
Eram seus olhos que comunicavam seus sentimentos.
Durante sua existência na Terra, presenciei neles alegrias, mágoas, preocupações e tristeza, mas não me recordo de vê-los com raiva de ninguém. Por mais zangado que estivesse por fora, os olhos mostravam que já havia perdoado por dentro.

Creio que sabia que não adiantava querer convencer a menina rebelde e metida à sabe-tudo que fui (fui?) com palavras, então simplesmente ficava olhando – divertido ou preocupado - meu descontrole emocional (e hormonal!) periódico de adolescente.
Acredito na vida após a morte e que um dia iremos nos reencontrar, mas isso não evita que eu sofra pelas coisas não ditas. Ah! As coisas que eu não te disse. Já são mais de três anos que relaciono todos os assuntos e sentimentos que deveria ter compartilhado e as diversas formas de declarar amor que deveria ter expressado melhor a você enquanto presente fisicamente. Será que consegue mesmo sentir isso tudo onde está agora?

Foi muito dolorido vê-lo partir, porém hoje acredito que, por seu espírito ter continuado muito jovem e repleto de energia, já não cabia mais naquele corpo físico tão envelhecido. Foi preciso então despi-lo, assim como despimos as roupas que já não precisamos mais, e assumir um novo corpo mais forte: o corpo espiritual e eterno por meio do qual continuamos nossa jornada de evolução e trabalho junto ao Grande Arquiteto do Universo.

Ô pai! Se pode mesmo me ouvir, saiba que te amarei pra sempre.

segunda-feira, 4 de agosto de 2008

Saudades do Betinho

por Ieda de Oliveira

Quando eu tinha dez anos de idade, a nossa escola levou os alunos para conhecer o Regimento de Polícia Montada da PM, em Campo Grande, subúrbio do Rio de Janeiro. Foi o acontecimento: passeio de ônibus, bagunça... E o mais importante: ficar sem aula.

Um militar nos acompanhou pelos quatro cantos, explicando tudo o que víamos.
Depois de falar sobre a história do Regimento, raças de cavalo, patentes, ordem e progresso, o martírio de três horas chegou ao final com uma surpresa para a molecada: um brinquedo e um livrinho infantil!
Obviamente o brinquedo dos meninos foi uma bola colorida. E o das meninas, claro!, uma... um boneco? “Ei... eu recebi um boneco!”, retruquei. As sacolas para as meninas tinham sido distribuídas fechadas. Portanto, não dava para ver o que havia dentro: boneca ou boneco.

Eu não gostei nada, nada. Fiz de tudo para trocar o tal boneco. Em vão. Ninguém queria trocar uma bonequinha linda, toda rosinha e de lacinho na cabeça por um boneco que segurava uma bolinha de futebol. E já tinha até menina batizando a boneca de Rita de Cássia – o equivalente a Maria Eduarda hoje.

Frustrada, levei o meu bonequinho de borracha (de pijama e bonezinho azuis) para casa e dei o nome de Betinho.
Betinho morou em todos os cantos do meu quarto. Perto da janela, perto dos livros, dentro de gavetas. Sumia por uns tempos e ressurgia num cantinho qualquer.
O tempo foi passando e, naturalmente, fui me desfazendo dos meus brinquedos. Mas nunca desfiz do Betinho, que me viu crescer, me tornar adolescente, dançar aquela música barulhenta na frente do espelho, chorar pelo primeiro amor, estudar para o vestibular e festejar o primeiro emprego. Foi um companheiro silencioso.


Quando eu tinha dezenove anos, a nossa família cresceu: nasceu a minha primeira sobrinha. A minha irmã e o marido trabalhavam e deixavam o bebê lá em casa para a minha mãe tomar conta. Nessa época, eu já trabalhava e estudava à noite.

Depois de algum tempo, dei por falta do Betinho. Ele não estava no seu lugar de costume (que por me aturar durante anos, enfim havia conquistado um lugar fixo e de honra).

- Ah, o bonequinho Betinho... Tá com a Alessandra.
- O queee?!
- Só assim ela pára de chorar e me dá descanso.
- Caramba, mãe... Dar biscoito para ela não resolve mais não?

Por eu não ser mais criança, a minha mãe não via sentido, depois de velha, em manter brinquedos e, portanto, não via problema em dar o tal boneco para distrair a neta. E , por outro lado, eu não tinha coragem de dizer que estava com ciúmes do (meu) brinquedo.

Ver o Betinho sendo sacudido e jogado para lá e para cá me doía mortalmente o coração. Era como ver a aflição daquele gatinho nas mãos da Felícia ou do cowboy Wood sendo estraçalhado pelo cachorro do vizinho! Mas a minha mãe me garantia que ela brincaria direitinho. É... mas certa vez a vi mordendo sem piedade o pompom do boné do Betinho! Eu quase sofri um infarto. Tive vontade de tomá-lo das mãos dela; resgatá-lo daqueles dentinhos afiados antes que fosse tarde. E foi o que eu fiz: para evitar o berreiro, a subornei com dois biscoitos Maria da Piraquê.


Quando eu tinha vinte e cinco anos, já ocupada demais, vi o (meu) Betinho enfeitando o quarto da Alessandra. Minha irmã me revelou que a filha era simplesmente apaixonada pelo bonequinho!
Matutei, matutei... Mas tirar brinquedo de uma menina de seis anos seria mais difícil... Ela não seria mais facilmente 'comprada' com um biscoito de novo.... Talvez um Trakinas...!

Nos anos seguintes, o Betinho morou em todos os cantos do quarto dela. Perto da janela, perto dos livros, dentro de gavetas. Sumia por uns tempos e ressurgia num cantinho qualquer. O tempo foi passando e, naturalmente, a Alesssandra foi se desfazendo de seus brinquedos, mas nunca se desfez do Betinho. Betinho a viu crescer, se tornar adolescente, dançar aquela música barulhenta na frente do espelho, chorar pelo primeiro amor, estudar para o vestibular e se formar.

No próximo domingo, Dia dos Pais, a Alessandra completa vinte e cinco anos de idade. Ocupada demais. Mas até hoje o Betinho tem o seu lugar de honra aonde quer que ela esteja.


Ainda há uma disputa velada quanto à posse do Betinho. Ela sabe que ele é meu por direito. E eu sei que ele é dela por herança. Ainda tenho ciúmes dele. Embora eu não veja dessa forma, temo parecer demasiadamente infantil e, portanto, evito discutir ‘os direitos’ sobre o Betinho em família.

Em sua crônica sobre mulheres que ainda mantém os seus bichos de pelúcia, a escritora Martha Medeiros cita um comentário do professor de filosofia Amílcar Bernardi: “o bicho de pelúcia (no caso, o Betinho) é a ligação da mulher com sua inocência perdida. O bicho de pelúcia é a materialização da sua feminilidade em um mundo onde ela foi obrigada a rugir para se dar bem. O bicho de pelúcia é a sua virgindade preservada, seu lado Sandy, a sua síndrome de Peter Pan: o espelho do quarto diz que ela está envelhecendo, enquanto que os bichinhos de pelúcia em cima da cama dizem não.”

Talvez somente agora, ao ler o comentário, eu compreenda melhor a razão pela qual, de vez em quando, preciso ver o Betinho ou ter notícias dele.

Quando me reencontra, ele vê passar toda a minha história diante dos seus olhos. Quando o reencontro, vejo passar aquela menina de dez anos.

- É... ainda estou por aqui, Betinho!

Ele sorri para mim.

sexta-feira, 1 de agosto de 2008

Desculpa qualquer coisa!

por Charles Nascimento

Na semana passada, Cafezinho com Letras recebeu a visita de José Sérgio Rocha, que ainda fez a gentileza de publicar no blog uma mensagem. Para quem ainda não teve o prazer de conhecê-lo, trata-se de um jornalista jurássico (às vésperas de celebrar o sexagenário) que, entre idas e vindas, trabalhou nos principais veículos de comunicação do país - Jornal do Brasil, O Globo e Diário de Notícias. Foi correspondente nas agências EFE e Latin Reutters, autor da biografia de Roberto Silveira (o pai) e outros tantos livros como gost writer.

O redator-que-vos-fala teve a honra de trabalhar com o ‘mais ilustre morador de Niterói’ por quase três anos. Na época, ele havia sido convidado para coordenar uma equipe de seis redatores. Sua importância para o setor pode ser resumida por meio de uma metáfora futebolística, ultimamente muito em voga: “o cara conhece os atalhos do campo entre um simples fato e a notícia”. E seus textos são elaborados com rara maestria.

Logo no primeiro encontro, Zé fez uma advertência ao redator-que-vos-fala: “Esqueça tudo que você aprendeu na faculdade. Vou te ensinar a escrever”. Desistiu antes de cumprir a promessa e saiu à cata de novos desafios – mais fáceis, evidentemente. Porém, o fracasso na tentativa de alfabetizar este redator não traz nenhuma mancha ao seu currículo. E nem causou alguma mágoa. Ao menos não, por parte deste redator. Absolutamente!

Com o tempo, o redator-que-vos-fala aprendeu que, via de regra, as grandes empresas comunicação têm em suas staffs quatro perfis diferenciados de jornalistas: os que apuram bem e escrevem mal; outros exatamente ao oposto, que apuram mal, mas escrevem razoavelmente bem. (Nota: Quando orientados corretamente pela chefia imediata, ambos se completam e acabam por desenvolver uma rotina de trabalho aceitável. Passam a vida transitando pelas redações até que encontram um par perfeito, descobrem que nasceram um para o outro e se acomodam até o fim do ciclo).

Do terceiro time de jornalistas comungam os camaradas que costumam ser apelidados de ‘grande figura humana’. Em geral, não sabem apurar, muito menos escrever. Mas estão sempre dispostos a pegar um cafezinho, verificar a grafia correta de um determinado nome estrangeiro, fazer uma pesquisa um pouco mais chata na Internet. Após a labuta, também estão sempre a postos para o tradicional choppinho de fim de noite. Em geral, têm vida longa ...

O velho Zé faz parte do seletíssimo quarto grupo, que apura as notícias e as transfere para o papel com a mesma maestria. A esmagadora maioria dos que têm perfil com tais características está ocupando função no primeiríssimo escalão da imprensa nacional. Zé é uma das raras exceções. Continua ‘pobre, pobre, pobre/De marré de si’, a exemplo deste redator (cujo talento passa ao largo). Mas aí, no caso dele, vale um adendo: o pavio do cara tem menos de um milímetro, é curtíssimo! E só isso explica sua ausência no rol dos novos emergentes ‘enricados’.

Esse blá-blá-blá todo veio à mente do redator-que-vos-fala porque em sua mensagem o Zé Sérgio solicitou histórias sobre pobreza, especialidade da casa – não as narrativas, mas a pobreza em si. Lembrei logo dele, não sei o porquê. E já que vocês perderam tempo suficiente para chegar até aqui, não custa (quase) nada ler os próximos quatro parágrafos.

Na justa hora em que os Correios decretaram o fim de uma paralisação nacional, a Caixa Econômica Federal anunciava o pagamento do terceiro maior prêmio da história, uma bagatela superior a R$ 50 milhões. Também graças ao fim da greve, os carnês de crediário, taxas, impostos e cartas de cobranças estão chegando à residência do redator-que-vos-fala às pencas – antes, ao menos, era feita em doses homeopáticas.

Diante da papelada a pagar, as cifras distribuídas pela Caixa mexem com o imaginário popular de qualquer cidadão: carrões, viagens, mansões, mulheres bonitas, ócio remunerado e por aí vai...

Pois o redator-que-vos-fala é bem mais humilde. Fosse ele o felizardo a receber a mecharia, logo no dia seguinte compraria apenas uma TV 14 polegadas – não precisava nem ser de tela plana.

Explico: a compra seria feita em 48 parcelas numa grande rede de departamentos. O redator-que-vos-fala pagaria a primeira prestação no ato e jogaria o carnê na lata do lixo, para ter a mais absoluta certeza que não o encontraria nunca mais. Pronto! Daí a dois ou três meses o nome do mais novo devedor-milionário do país seria inserido no temido Serviço de Proteção ao Crédito (SPC).

Como o redator-que-vos-fala nunca mais ia sequer cogitar a idéia de comprar nada financiado, o nome sujo não lhe traria grandes inconvenientes. De quebra, iria manter a quilômetros de distância aquela pobralhada oportunista que passa a vida precisando de fiador ou do seu nome emprestado para ‘tirar’ um produto aqui ou ali

Pobre não compra nada, ‘tira’. Mas esse também é tema de outro texto. Obrigado pela visita galera! E desculpa qualquer coisa!

terça-feira, 29 de julho de 2008

Você pensa demais...

por Ana Chagas

"Você pensa demais!", diz a amiga.
"O filho tá crescido."
"O marido tá bem servido."
"O emprego tá garantido."

"Você pensa demais!", diz a irmã.
"O pai melhora a cada manhã."
"A mãe fez torta de maçã."
"O importante é ter toda a família sã."

"Você pensa demais!", diz o filho.
"Tirar notas baixas, é normal."
"Vem escutar esse som LOUD!
"Caraca, mãe! É na moral!”

"Você pensa demais!", diz o tempo.
”Não espero mais teu sorriso.”
"Envelheço teus traços e aviso:
"Vê se perde um pouco de juízo!"

sexta-feira, 25 de julho de 2008

Discutindo a relação...

por Charles Nascimento

O redator-que-vos-fala é filho único, foi o primeiro neto, primeiro sobrinho, primeiro afilhado, primeiro quase tudo. Tinha boas chances de virar um belíssimo boiolão, segundo crença do imaginário popular. Contrariando sua vocação natural, cresceu heterossexual – um tanto por opção, outro tanto por influência dos mais velhos.

Com o tempo, porém, descobriu que a convivência com o sexo oposto nem sempre é tarefa das mais fáceis. O casamento, na avaliação do redator-que-vos-fala, é resultado da obsessiva compunção do ser humano em contrariar as forças divinas. Se fossemos criados para viver aos pares, seríamos concebidos de dois em dois. E pronto! Assim como não temos asas – portanto não deveríamos nos atrever a voar – não são prudentes as relações estáveis com o sexo oposto. Simples assim!

O problema na esmagadora maioria das vezes deriva do DNA feminino, devido à uma estranha tendência de complicar a vida combinada com uma leve pitada de complexo de inferioridade. Caros amigos do sexo masculino, que insistem ritos do matrimônio, vejam se reconhecem os diálogos abaixo:

Em casa

– Você acha que eu estou bem com essa roupa?
– Está ótima!
– Fala a verdade?
– Estou falando...
– Vou trocar?
– Por que?
– Está muito apertada.
– Então por que você vestiu?
– Por que cabia perfeitamente em mim. Não sei o que ouve? Você acha que eu engordei?
– Não sei, talvez.
– Pode ir sozinho. Não vou mais a porcaria de festa nenhuma?
– Mas o que ouve?
– Você disse que eu estou gorda. Está ironizando.
– Mas eu não disse nada disso...
– Não disse, mas pensou. É muito pior. Você quer que eu vá só para me humilhar na frente daquelas suas amigas galinhas. Fica lá com as suas queridinhas magrinhas. Cuidado porque você vai me trocar elas te colocam um par de chifres na primeira oportunidade.
– Tudo bem! Se você não quer ir, então não vamos mais.
– Por que você não quer que eu vá? Tem alguma coisa lá que eu não possa ver? Para mim chega! Me leva para casa da minha mãe.

No carro

– Em que você está pensando?
– Em nada.
– O que está acontecendo?
– Já disse: nada.
– Acho melhor a gente dar um tempo.
– Tudo bem.
– Eu sabia. Você quer terminar comigo. Já tem outra. Quem é a vagabunda?
– Não disse nada. Foi você que pediu um tempo.
– Pára de correr com essa merda desse carro. Ficou nervoso porque eu descobri suas sacanagens?
– Que sacanagens? Estou exatamente na mesma velocidade. Não estou correndo.
– Por isso que você queria que eu fosse para casa da minha mãe, para ficar na putaria? Vou voltar para a minha casa. Não te darei esse gostinho.

No quarto

– Você já está dormindo?
– Estava. São 3 horas da manhã.
– A gente precisa conversar sério.
– Pode ser de manhã?
– Não!
– Temos que discutir a nossa relação. Você hoje me chamou de gorda. Não quis me levar para festa. Tem vergonha de mim. Me despachou para casa da minha mãe como se eu fosse um objeto só para ficar com aquelas vagabundas. Você acha que está certo? Por que não me contou que tem outra? Pode falar a verdade, prefiro ouvir da sua boca.

Mas lembrem-se: esta obra é um trabalho de pura ficção. Qualquer semelhança com o dia-a-dia é mera coincidência.

sábado, 19 de julho de 2008

Nem só de bunda vive o homem...

por Charles Nascimento

O redator-que-vos-fala é o único representante do sexo masculino a colaborar com esse blog. Por ser minoria, tem que tomar certas precauções ao abordar questões de gênero nesse espaço. Mesmo correndo o risco da execração pública, porém, tomou coragem para escrever sobre um tema bastante em voga em tempos modernos: a importância da bunda no cotidiano brasileiro.

Este texto traz uma opinião que talvez desperte a ira das duas colegas e também idealizadoras do blog - Ana Maria Chagas e Ieda Oliveira. Mas o redator-que-vos-fala resolveu publicá-lo no intuito de ajudar a derrubar um velho mito: a bunda da mulher brasileira não é mais bonita (ou melhor) do que as similares internacionais. É simplesmente mais exibida. Está mais à mostra do público.

O redator-que-vos-fala se deu o trabalho de folhear algumas publicações nacionais (jornais e revistas) e assistiu a programas populares de TV. Embora sem base científica, a breve pesquisa revelou um espaço considerável reservado a matérias direta ou indiretamente ligadas ao tema: Mulher Moranguinho, Mulher Jaca, Mulher Melão, Mulher Melancia, a ex-BBB e por aí vai.... Com auxílio da internet, comparou rapidamente com a cobertura feita por publicações similares de outros países - tablóides sensacionalistas da Inglaterra e dos Estados Unidos, por exemplo.

(Antes de prosseguir com essa explanação, o redator-que-vos-fala abre um parêntese para esclarecer que nada tem contra essa verdadeira salada de fruta de glúteos – ele até gosta. Não é boiola, antes que digam! Mas, a verdade o tributo nacional às nádegas não tem precedentes na história mundial.)

Durante o almoço, na última sexta-feira, Ana Maria divulgou uma informação interessante: uma das principais ruas do Centro do Rio de Janeiro literalmente parou porque uma dessas celebridades instantâneas da vez estava ... acreditem!Fazendo o cabelo em um salão da região. Marmanjos, feito feras no cio, fotografavam e procuraram uma pequena fresta na porta para ver detalhes do corpo escultural – devidamente siliconado, evidente! Mas como não existe no mundo nada tão ruim que não possa piorar, o redator-que-vos-fala deparou com a notícia em dois dos mais respeitados matutinos cariocas.

O saudoso Sargentelli (1924 a 2002) foi um dos primeiros a levar para os veículos de comunicação os ‘atributos físicos’ da mulher brasileira. E abordava a questão da sensualidade com extrema sutileza, se comparado com as estratégias de apelo sexual hoje em prática. Radialista e apresentador de televisão, no período da ditadura militar foi proibido pela censura de apresentar seus polêmicos programas de entrevistas (O preto no branco e Advogado do Diabo). A partir daí mergulhou de cabeça universo do samba, em 1969, época em que abriu sua primeira casa de espetáculos.

O redator-que-vos-fala lembra de uma das últimas entrevistas do "mulatólogo", como ele próprio se autodefinia. Na ocasião, Sargentelli já demonstrava certa dose de cansaço com relação ao festival de bobagem que assolam o país.

Sobre um antigo desejo de resgatar a história da música brasileira, ele respondeu ao entrevistador passou por um árduo trabalho para captar patrocínio. Depois, levou a proposta a um grande jornal. Superada outra via-crúcis, teve que modelar a questão logística (distribuição, modelagem dos fascículos etc). Por fim, chegou o momento de discutir o projeto editorial propriamente dito.

Sargentelli agendou reunião com toda a staff da redação e explicou detalhe por detalhe, exaustivamente. Manifestou ainda o interesse de começar a série de reportagem pela obra de Noel Rosa, no que a jovem e simpática jornalista incumbida da reportagem respondeu de bate pronto: “Ótima idéia, onde é que ele mora?”

O desfecho?
Ele decidiu jogar uma pá de cal sobre a idéia.
Agora, se estiver assistindo a esse festival de bundas e peitos siliconados, deve estar se contorcendo no túmulo. Sua ousadia era fichinha.

segunda-feira, 14 de julho de 2008

É da natureza humana

por Ana Chagas

Sabe quando a gente fica cansado de tudo e de todos e sente vontade de ir pra bem longe?
Quantas vezes já não arrumamos nossa malinha, mesmo que só na imaginação, pensando em fugir de todas as regras que nos são impostas por toda nossa vida? Primeiro os pais, depois a escola, e ainda a religião, a moda, a carreira...ufa!

Pense bem. De todas as realizações as quais se dedicou desde a infância, quantas delas foram conquistadas por sua própria vontade e quantas conquistou para atender às expectativas dos outros?
O quanto somos realmente livres para deixar tudo pra trás e viver sem obedecer a padronização de felicidade imposta pela sociedade?

Então?.. Já sentiu aquela vontade enorme de chutar o balde, largar tudo e ir pro Alasca?
Pois neste fim de semana conheci a história do jovem Christopher McCandless, cidadão americano nascido em Virgínia, EUA, que fez exatamente isso. Cortou laços com a família, doou 24 mil dólares para caridade e partiu numa aventura viajando sozinho como andarilho até o Alasca.

O filme Na Natureza Selvagem, baseado no livro Into the Wild de Jon Krakauer (1996) conta os detalhes desta jornada onde Christopher, após alterar seu nome para Alexander Supertramp, percorre os EUA, carregando poucos objetos em uma mochila, em busca de comunhão com a natureza. E nesta busca, ele se tomou de um amor tão grande pela vida que foi capaz de distribuí-lo por todos os novos amigos que conheceu pelo caminho e depois se isolar, sem nenhuma crise de solidão.

De início, a disposição do jovem Christopher, tão bem interpretado pelo ator Emile Hirsch (Speed Racer), em seguir seus planos de abandono de uma vida de aparência estável, desperta em nós os sentimentos próprios dos “enquadrados” e pensamos em como ele pôde ser tão egoísta e ter a ousadia de abandonar uma vida tão confortável, tão bem planejada pelos pais, tendo tanto futuro pela frente. Mas ao longo de sua história, vamos deixando cair nossas resistências junto com os poucos bens que ele vai deixando pelo caminho e nos envolvendo com as lindas imagens da natureza repleta de liberdade , sendo embalados pelo som da bela voz de Eddie Vedder (da banda Pearl Jam).

Não vou julgá-lo pela tristeza e preocupação que causou à família, nessa ânsia de fugir de regras e convenções. Muitos de nós precisamos ficar sozinhos de vez em quando seja pra nos conhecer melhor ou pra sentir falta justamente daqueles de que tentamos nos manter afastados.
O ser humano é complexo. Conviver é complexo. Amar é complexo. Liberdade é complexa. Tentar escrever todas as emoções que senti assistindo ao filme é ainda mais complexo.

Deixo a dica e espero que possam comentar comigo depois como se sentiram diante deste jovem que viveu em tão pouco tempo muito mais do que muitos viveram em mais de 80 anos de idade.
E se o final lhe parecer triste, faça como eu. Assista mais de uma vez .

sábado, 12 de julho de 2008

No café da manhã...



Semana passada, reunidos na (famosa) padaria.
Charles, uma amiga nossa, Simone, Ieda e Ana saboreando o cafezinho da manhã e aproveitando para colocar o papo em dia.

Esta foto custou a sair. Nunca estávamos ‘completos’ à mesa: ou faltava o Charles ou faltava a Ana ou faltavam todos! E quando estavam todos... alguém esquecia a bendita da câmera em casa!

Você sabia que...



...uma mulher foi a autora do primeiro romance literário? Murasaki Shibiku, uma japonesa da classe nobre, escreveu no ano 1007 um livro chamado "A história de Genji", contando a história de um príncipe em busca amor e sabedoria.

Murasaki Shibiku foi a autora do primeiro romance literário de todos os tempos. Murasaki Shibiku, cujo o verdadeiro nome se desconhece, nasceu por volta de 978 em Quioto, de família aristocrática. Os poucos dados sobre sua vida acham-se no diário que manteve de 1007 a 1010, um vívido retrato da vida cortesã. É provável que tenha escrito Genji monogatari (História de Genji) entre o ano 1001, quando morreu seu marido, e 1005, quando ingressou no serviço da imperatriz Joto Monin. A tradução de Genji monogatari em 1935 por Arthur Waley é um clássico da literatura inglesa. O diário integra a coletânea Diaries of Court Ladies of Old Japan (1935; Diários de damas da corte do Japão antigo). Murasaki Shikibu morreu em Quioto, por volta de 1014.

Saudades

por Charles Nascimento

Este ano, em dezembro, completará quatro anos que a mãe do escritor-que-vos-fala morreu. Foi um adeus prematuro. Perdeu a luta contra a diabetes aos 58 anos de idade. De herança, além dos princípios éticos e o incessante gosto pela leitura, deixou seu belíssimo acervo literário. Nem tanto pela quantidade, mas pelo conjunto da obra. Em geral, os grandes clássicos.

Fruto de uma geração que se orgulhava de pertencer ao ensino público, ela foi aprovada em três concursos federais – optou pelo sistema Telebrás. Foi ela também quem alfabetizou o escritor-que-vos-fala.

Esses dias, enquanto velhas fotografias amareladas eram remexidas, a imagem da dona Celina ganhou contornos mais nítidos. E veio à lembrança desse redator aquele velho apreço dela pelas letras.

Uma prática muito salutar nos anos 50 e 60, ela contava, eram os cadernos de versos das adolescentes. Segundo a tradição da época, ao final do ano letivo as alunas deixavam mensagens carinhosas umas às outras, ensaiando os primeiros passos no ambiente literário. Ceiça, como era conhecida entre os mais próximos, sempre citava o tal caderno capa dura, que o escritor-que-vos-fala viu apenas duas ou três vezes.

Junto com as lembranças do caderno vieram à tona histórias saborosas sobre a Era do Rádio, dos grandes atores do cinema hollywoodiano, as damas brasileiras do teatro, dos concursos de Miss, as sugestões de livros lidos por ela no passado. Enfim, recortes de período que antecedeu o advento da TV – inaugurada no Brasil em 1950, mas restrita às camadas mais abastadas da sociedade.

Apesar do pouco contato com o tal caderno de versos, escritor-que-vos-fala lembra bem que lá estavam reunidos uns 50 textos. Alguns deles, verdadeiras preciosidades em verso e prosa. Com o devido pedido de desculpa à autora, pois seu nome não ficou registrado da memória, Cafezinho com letras transcreve a primeira estrofe dessa obra-prima do bom humor. Alguns trechos provavelmente jamais sairão da cabeça do escritor-que-vos-fala:


Tirei zero em matemática
Passei raspando em Latim
Jamais gostei de gramática nem ela gosta de mim
Quase tropeço em canto
Português que não tem vez
E vou dizer pra ser franca
Fui reprovada em Inglês

Embora de simplicidade exemplar (e brilhante!, diga-se de passagem), um breve passeio entre aquelas singelas mensagens de fim de ano escritas há meio século e os cadernos atuais mostra o quão empobreceu a cultura brasileira nesse curto intervalo histórico. Além de criativa, a autora do texto acima, que elaborou uma personagem avessa aos estudos, relatou um currículo escolar com matérias como Francês, Latim, Canto...

Sobre a decisão de retirar o latim da grade escolar, aliás, dona Celina jamais viria a se conformar. Entre outros argumentos, dizia não compreender como é possível aprender Português sem os conceitos ao menos básicos da língua mãe. O próprio escritor-que-vos-fala, fruto uma geração mais recente, já foi vítima do empobrecimento da grade curricular nas escolas. E não raras vezes, teve que ir correndo pedir abrigo no colo da mamãe.

Mas essa é uma outra história, que pode ser abordada em próximas oportunidades.

A atual geração já tem muito para contar aos filhos futuramente. Em pauta: os destaques do Big Brother, a poesia reveladas nas letras do Funk, a bunda da mulher melancia e por aí vai.

E como diria o saudoso Raul Seixas, “parem esse mundo que eu quero descer”.

sexta-feira, 11 de julho de 2008

Os livros, sempre eles

por Ana Maria Chagas

Quem me conhece sabe que tenho paixão por livros.
Só não cultivo uma grande biblioteca por falta de espaço.
Na última mudança tive que me desfazer de muitos livros e, apesar de saber que foram parar em boas mãos, a despedida foi dolorosa demais. Mas é como um vício. Substitui os antigos por novos e meu marido costuma dizer que temos mais livros que poeira, porque sempre encontra um em cada canto.
Para organizar, comprei uma estante linda, com portas de vidro e fechadura. Mas não adiantou. Foi só deixar um dia destrancado e saíram de lá pra decorar toda a casa novamente.

Logicamente, sou fã de livrarias.
Pra quem trabalha no centro das grandes cidades, tem algo mais relaxante do que, depois do almoço, entrar numa livraria e ler pequenos trechos de emoção, ciência, filosofia, romance, ficção e tudo mais que nos faça fugir um pouco do stress, enquanto saboreia um gostoso café?

No Centro do Rio de Janeiro, a que acho mais acolhedora é a Livraria da Travessa.
Faço visitas constantes desde 1998, quando ainda no número onze da Travessa do Ouvidor, e haviam sinos presos ao portal anunciando a entrada dos clientes que cruzavam a porta de vidro emoldurada em madeira.

Quando iniciou a modernização, cerca de oito anos atrás, recordo que temi perder este meu refúgio. Mas a decoração continuou acolhedora: paredes revestidas de estantes de cor escura e bancadas dividindo o espaço formando corredores onde circulamos por muitos livros empilhados.
Foram essas bancadas que mais me chamaram a atenção. Em cada uma delas um assunto; em cada pilha de livros, um autor. E nesse redemoinho de cultura, confesso que tenho dificuldade de encontrar sozinha o título que busco, mas aí é que está o charme dessa livraria! Por muitas vezes, não encontrei, mas fui “encontrada” por um enredo maravilhoso, uma poesia ou filosofia em livros que talvez não fossem parar nas minhas mãos de outro modo.
Freqüentando quase que diariamente, fui acompanhando as mudanças que só trouxeram melhoria. Pulou para a loja ao lado, anexou uma papelaria e um café, inseriu mais títulos de cds e dvds e nos brindou com um som ambiente tão confortador que estimula uma boa conversa ou a boa companhia do livro escolhido.

Se a intenção foi acompanhar as tendências do mercado ou se tornar mais competitiva, não sei. Mas foi tão cuidadosa em preservar seu estilo antigo que nos acostumamos com as novidades sem sentir.
Agora, além de ir lá para mergulhar no universo maravilhoso da leitura, estou adquirindo aos poucos o hábito (não tão freqüente como gostaria) de me sentar numa mesinha, pedir um café e escrever. Este texto, inclusive.

sábado, 5 de julho de 2008

Besta cibernética... e daí?

por Charles Nascimento

Recentemente tivemos a idéia de criar este blog, e eu vou utilizar o espaço do 1º artigo para justificar minha longa ausência, antes mesmo de ter estreado. Aliás, se alguém está perdendo seu precioso tempo para ler essas mal traçadas linhas, é devido à caridade da coleguinha Ieda Oliveira – que junto com a Ana Maria completam a equipe.

Explico: quando eu ingressei na faculdade de jornalismo, em 1991, as redações dos grandes jornais estavam sendo viradas de ponta-cabeça. A boa e velha máquina de escrever, companheira de décadas de alguns dos maiores escritores desse país, cedia espaço para o computador. A novidade tomava as grandes redações de assalto e “o barulho das maquinetas com a obsolescência anunciada foram substituídas pelo computador”.

Como em todo processo de mudança, houve resistência...
Mas, o avanço tecnológico e o progresso venceram. A conseqüência? Quem não entrou na era digital perdeu o bonde da história. Ou melhor, do emprego. E foi sumariamente banido do mercado de trabalho até que ingressasse no universo digital.
À época, no auge dos seus 20 anos, o redator-que-vos-fala não entendia a justificativa para tanta resistência. O escritor Luis Fernando Verissimo em seu livro de crônicas O suicida e o computador (1992), com rara maestria foi um dos que melhor resumiu o sentimento do autor atônito diante da nova realidade anunciada. Senão, vejamos:

“Desta vez não se levantou (autor). Ficou olhando para a tela, pensando. Depois acrescentou: É claro que o computador agravou a agonia. Talvez uma nota de suicida definitiva só possa ser manuscrita ou datilografada à moda antiga, quando o medo de borrar o papel com correções e deixar uma impressão de desleixo para a posteridade leva o autor a ser preciso e sucinto. Tese: é impossível escrever uma nota de suicida num computador.
Era isso ? Ele releu o que tinha escrito. Apagou o segundo ‘no fundo’. Era isso. Por via das dúvidas, guardou o texto na memória do computador. No dia seguinte o revisaria.
E foi dormir.”


Pois bem! Quinze anos depois, em pleno século 21, muita coisa evoluiu no ambiente do ‘informatquez’, exceto uma: a aversão de algumas pessoas por essas geringonças. À medida que foram surgindo inúmeras novas tecnologias, aquele operador versátil de outrora também ficou obsoleto. É isso mesmo! O redator-que-vos-fala não tem vergonha de assumir: “Hoje sou uma besta cibernética.”

E o que mais contribuiu para isso foi a internet e seu festival de besteira que assolam o planeta (mas esse será foco de um novo texto).
A internet discada já não atendia mais às necessidades do mundo moderno. Depois de uma longa exaustiva pesquisa (e muita renitência) e redator-que-vos-fala descobriu que as várias opções de banda larga disponíveis no mercado não são tão variadas assim. Ora falta viabilidade técnica, ora as operadoras impõem venda casada, etc.
Depois de uma exaustiva consulta, em 19 de julho o inocente redator-que-vos-fala finalmente optou por uma das empresas. Foi ‘orientado’ a adquirir um provedor banda larga e o modem. Concluída nova pesquisa(e não menos desgastante), escolheu o provedor de sua preferência.
Para grata surpresa, o modem foi entregue em dois dias (a previsão era sete) e a linha, habilitada em cinco. Como os atuais programas são auto-explicativos, a instalação ocorreu naturalmente, certo?
Errado! Aí é que começa de verdade a peregrinação! Vem daí a motivação da minha ausência no blog. O serviço nunca funcionou desde a instalação e a previsão de normalização é somente em 15 de julho. Após inúmeros telefonemas, que nunca tem duração menor que 30 minutos, fui informado de um suposto problema gravíssimo na estação. Mas por que cargas d’água não me informaram isso antes de vender o produto?
O redator-que-vos-fala ainda não decidiu quais serão tomadas – provavelmente será uma longa história. Mas a conclusão que se chega é simples: a informática surgiu para trazer-nos problemas que não tínhamos antes. Alguém tem uma maquininha de escrever e um fax para emprestar?

quarta-feira, 2 de julho de 2008

Paraty com letras


Marcos Tristão

Paraty está em (mais uma) festa: começa a partir de hoje a sexta edição da Flip – Festa Literária Internacional de Paraty. Diversos escritores e cineastas estarão na cidade para lançamentos dos seus trabalhos.

Entre os convidados mais aguardados está o autor e quadrinista inglês Neil Gaiman (lembram de Stardust?) que se apresenta no sábado.

O homenageado desta edição é o escritor Machado de Assis, ano em que se celebra o centenário de sua morte.

Reza a lenda que a cidade recebe por volta de 25.000 visitantes neste período. Hospedagem é um sonho impossível nesta época. Segundo alguns proprietários de pousadas, o povo interessado reserva vaga um ano antes!

Mas para passar uma tarde, ao menos para conhecer a Feira, vale a pena a ida até Paraty... uma das cidades mais badalada (e histórica) do Brasil, quiçá do mundo!

Fica então uma dica de passeio (duplo) à cidade Paraty! :o)

Ieda

sexta-feira, 27 de junho de 2008

Do parto até partir

por Ana Maria Chagas

A primeira emoção está no papel timbrado do laboratório: "Positivo". A segunda, ao ouvir, pela primeira vez, as batidas aceleradas do pequeno coraçãozinho. E vamos acompanhando a gestação de nossos bebês, ansiosas pra saber logo se é menino ou menina.

Pedimos exames de ultrasonografia constantes ao médico pra mostrar a todos que já amamos aquele serzinho em formação, mesmo quando ainda não se consegue identificar nada parecido com um bebê naquela foto obscura.
E esse amor cresce, junto com as mãozinhas, pezinhos e o sexo que ele não mostra de jeito nenhum, só pra nos deixar mais curiosos.

Notamos também, aquele cordão preso ao umbigo, mas nem demonstramos tanto interesse naquele tubinho pequeno que alimenta e transfere tanta energia para o bebê.

Eu mesma, durante toda a gravidez, só recebi três informações básicas: que é cortado na hora do nascimento; que essa é a única coisa que o pai tem permissão de fazer, se não desmaiou até este momento e que, poucas horas antes de nascer, meu filho havia se enrolado nele.

Mas hoje, conhecendo o menino bem melhor, tenho pra mim que tentou saber se na ponta daquele fio havia um joystick e um vídeo game e acabou por envolvê-lo no próprio pescoço, na ansiedade de procurar pelos dois.

De qualquer forma não foi nada doloroso o corte deste cordão. Não vi, não senti e, nem dei a menor importância. O que interessou mesmo foi vê-lo chegar, todo sujinho, pequenino, indefeso, pela mão do obstetra e ficar esperando o primeiro som:
"- Será que ele chora? - Pronto! ...Chorou!..Que lindoooo!!"

Só que o tempo passou, ele cresceu (passa rápido, né?) e de repente me deparei com um cara quase duas vezes o meu tamanho, barbado, me acenando com um currículo numa mão e um recibo do primeiro salário na outra, dizendo: - Mãe! Olha, arrumei um emprego e quero morar sozinho!

E enquanto ele corria para o computador para conversar com os amigos sobre seus planos de liberdade - sim, porque o primeiro indício de que seu filho já cortou o cordão muito antes de sair de casa é que os amigos sabem mais sobre ele do que você – corri para a minha fonte inesgotável de conselhos e soluções para as mais diversas aflições: uma livraria.

Primeiro procurei por guias para “mães órfãs de filhos ingratos”, depois por “10 lições básicas que convençam seu filho a nunca sair de casa”, mas a cada nova prateleira só topava com os zombeteiros “assuma logo que seus filhos cresceram!”
Percebi então que não havia nada que aliviasse minha mais nova crise feminina: a de mãe possessiva.

Puxa! Ainda ontem havia um bebê dormindo em meus braços. Dependente, carente e chorava tanto quando me via sair e agora os papéis se invertem e ...
Quem é que ta chorando hein? Ah, tá bem! Assumo. Mas a verdade é que a gente nunca corta de verdade o forte laço deste amor materno.

E foi saboreando um café com Ieda e Charles que um pensamento me tomou de assalto: o desejo de independência do meu filho nada mais era do que um processo natural do ser humano (ó que frase bonita!).
Afinal de contas, eu deveria era estar grata a Deus por ter completado mais uma etapa importante de ser mãe: ver seu bebê se tornar um adulto pronto para encarar as responsabilidades da vida.
Foi pensando assim que ao chegar em casa, ensaiei em frente ao espelho testando a segurança da minha voz até encontrar o tom mais sereno e compreensivo. Depois, repetindo diversas frases de incentivo como: “Vou te apoiar nessa! Que bom que terá seu próprio espaço!”, caminhei decidida para o quarto dele, abri a porta, respirei fundo, segurei seu rosto buscando seus olhos e disse com a mais carente e gaguejante voz: “Você promete me visitar toda semana?”

Ana

terça-feira, 24 de junho de 2008

Pequenos heróis (anônimos)

Estes meninos não são notícias de jornal. Afinal, eles não são celebridades e nem estão metidos em escândalos.

São os pequenos heróis anônimos do dia-a-dia e de uma causa que envolve o amor e também a solidariedade e a criatividade!








Fotos: Marcelo Silveira, da Confraria dos Miados & Latidos.

sábado, 21 de junho de 2008

Estou lendo...

Oi, pessoal

Sou apaixonada por crônicas.
Comprei recentemente As cem melhores crônicas brasileiras. O livro traz crônicas desde 1850 até os anos 2000.



Ler este livro é (re)descobrir a literatura 'perdida' do nosso dia-a-dia. Pois traz textos de Machado de Assis, José de Alencar, Luiz Fernando Verissimo... e vai até Tutty Vasquez! Da pena à internet.

Vale a pena. É uma ótima compra, um ótimo presente!

Bjus, Ieda

Campanha dos 100 anos da ABI

Muito inteligente a campanha dos 100 anos da ABI (Associação Brasileira de Imprensa):

A vírgula pode ser uma pausa... ou não.
Não, espere.
Não espere.


Ela pode sumir com seu dinheiro.
23,4.
2,34.

Pode ser autoritária.
Aceito, obrigado.
Aceito obrigado.



Pode criar heróis.
Isso só, ele resolve.
Isso só ele resolve.


E vilões.
Esse, juiz, é corrupto.
Esse juiz é corrupto.

Ela pode ser a solução.
Vamos perder, nada foi resolvido.
Vamos perder nada, foi resolvido.


A vírgula muda uma opinião.
Não queremos saber.
Não, queremos saber.

Uma vírgula muda tudo.

ABI: 100 anos lutando para que ninguém mude uma vírgula da sua informação. (Agência Africa)

(colaboração de Ana Chagas)