quarta-feira, 24 de março de 2010

Minha Linha de Sombra

Por Ana Maria Chagas

Pensei em começar a escrever sobre saudade... mas prefiro falar sobre a menopausa.

Bem, filhote viajou (ai, que saudade) e ontem senti a casa tão vazia que fui buscar consolo em um dos meus amigos mais íntimos e fiéis: um livro.

E convidei o inglês Joseph Conrad para um papinho, acompanhado de uma taça de vinho, para que fosse me conquistando aos poucos... Mas ele me ganhou já no primeiro capítulo do romance “A Linha de Sombra”, ao expressar tão bem aquela fase maravilhosa da existência humana quando somos (ou achamos que somos) absolutamente donos de nós mesmos e de nosso destino:

"É um privilégio do começo da juventude viver adiante de seus dias, em toda a bela continuidade de esperança que não conhece pausas ou interrupções.Fecha-se atrás de si o pequeno portão da mera meninice – e adentra-se um jardim encantado. Até as sombras aqui resplandecem cheias de promessas. Cada curva da vereda tem suas seduções. E não porque se trate de um país desconhecido. Sabe-se muito bem que a humanidade toda já trilhou aquela senda. É o encanto da experiência universal, da qual se espera extrair uma sensação incomum ou pessoal – um algo que seja só nosso."

E não é exatamente assim?
Observem seus filhos. Olhem bem quantos traços, comportamentos, qualidades e defeitos eles adquiriram de você, somados aos que adquiriram na sociedade, mais os que eles escolheram para si mesmos, prontos para ir em busca de sua experiência universal!
Não é maravilhoso? Você se lembra desse “jardim encantado”?

E o autor complementa, que "aceitando a boa ou a má sorte, vai-se adiante. E o tempo também, caminha – até que se percebe uma linha de sombra avisando-nos que a região da mocidade também deverá ser deixada para trás."

A menopausa também é uma experiência universal muito pessoal. Cada uma das amigas com quem converso sente diferente, age diferente, tem expectativas diferentes.E eu? Como venho me sentindo de verdade?

Fiquei pensando – aliás, penso demais, já me disse um amigo (um humano, não um livro) – que estas mudanças que vêm acontecendo comigo, físicas e emocionais, que os médicos vêm sinalizando como uma pré-menopausa, significam que cheguei na “linha de sombra”, avisando que o tempo caminhou e terei que entrar mais uma vez em um país desconhecido.
E daí em diante, como será? Este novo jardim será também tão encantador? Continuará cheio de promessas? Terá suas seduções?

Até agora – exceto comer, beber e ir ao banheiro – tudo o mais foi opcional.
Uma imensa aventura guiada pelas escolhas constantes que tive que fazer: estudar, o que estudar; casar, com quem casar; ter filhos; trabalhar; voltar a estudar; rir ou chorar; amar ou desprezar; lutar ou desistir.As opções eram tantas! A “boa ou má sorte” era encarada como desafios, e tantos foram superados sem nenhum problema. Não havia tempo para lembrar o passado e nem interessava tanto o futuro. A vida era, literalmente, um presente. Desfrutava da ânsia de viver tudo ao mesmo tempo e com toda a intensidade possível. E não sentia nenhum medo do que viria a seguir.

Daí chega a maturidade e me pergunto: e se houvesse optado por outros caminhos?As vezes não perdoo as escolhas que julgo terem sido erradas e que me trouxeram dor, sofrimento ou mágoa, esquecendo que estas experiências vividas foram tão importantes para me conhecer melhor.

Mas será que realmente sei quem sou?O Passado bateu na porta e está tentando retornar devagar, ocupar um espaço muito grande e tirar toda a atenção do Futuro com quem voltei a flertar e tenho planos de transformar num ótimo relacionamento.
Não devo deixar o Passado ocupar meu quarto de hóspedes. Para não magoá-lo, convidei-o gentilmente a viver no quartinho dos fundos. Lá onde guardamos objetos que recordam bons momentos, mas não combinam mais com os novos sentimentos e expectativas espalhados pela casa e muito menos irão combinar com os que estão por vir.

O Futuro está se instalando aos poucos, como aquele hóspede que vai se habituando à rotina da casa, mas também gostaria de cooperar fazendo algumas boas mudanças. Devo aproveitar as novas opções que ele traz na bagagem e estar pronta para mais uma emocionante viagem.

Parodiando Joseph Conrad:

"É um privilégio do começo da maturidade viver adiante de seus dias, em toda a bela continuidade de esperança que não conhece pausas ou interrupções. Fecha-se atrás de si o pequeno portão da mera juventude – e adentra-se um jardim encantado. Até as sombras aqui resplandecem cheias de promessas. Cada curva da vereda tem suas seduções. E não porque se trate de um país desconhecido. Sabe-se muito bem que a humanidade toda já trilhou aquela senda. É o encanto da experiência universal, da qual se espera extrair uma sensação incomum ou pessoal – um algo que seja só nosso."