domingo, 17 de agosto de 2008

Olhares...

por Ana Maria Chagas

Vocês já observaram uma cena poética, original, por vezes indescritível e na hora H não tinha uma câmera fotográfica?

E quando uma cena diz muita coisa pra você, mas não adiantaria fotografar porque o sentimento é todo seu? Daí você quer contar pra alguém, mas as palavras parecem não conseguir exprimir todos os detalhes. Nem da cena observada, nem do seus sentimentos em relação a ela. E parece que o encanto pertenceu só aquele minuto e não pode ser repassado a ninguém.

Moro próximo à uma praça e da janela posso observar diariamente alguns momentos poéticos despertados pelas pessoas que a freqüentam, pelas árvores ao redor e pelos pássaros que moram nelas, como estes:

- O olhar do menino era como o céu ao escurecer misto de azul e o negro – e refletia a vitrine da loja onde, de nariz colado, fixava o pequeno caminhão de bombeiro exposto à venda. Sabia que o pai estava impaciente para ir embora, mas não podia perder nenhum detalhe do que passou a ser seu mais novo objeto de desejo infantil, para melhor relatar quando a zanga do pai já tivesse passado.

- O homem inquieto, a cada minuto olhava o relógio e ao redor. Era jovem, meio gorducho e, por vestir uma camisa larga sobre a bermuda comprida até aos joelhos, parecia baixo e atarracado. Um boné disfarçava um princípio de calvície e nos pés usava tênis já meio gastos. De repente, algo lhe desperta a atenção ao olhar. Retira o boné acertando os poucos fios rebeldes, alisa a camisa decidindo que ficaria melhor por dentro da bermuda e busca no banco onde estivera sentado uma rosa embalada em celofane. Recebe o abraço de uma moça mais alta e sorri como aliviado. Teria sido perdoado?

- Justamente no meio do inverno, uma pequena vegetação que vinha crescendo com galhos ressecados em meio a um pequeno canteiro mal tratado, resolveu florescer. Uma, duas...muitas flores amarelas. Localizada próximo ao movimento intenso de um ponto de ônibus, mesmo vestida pelo sol da manhã, ninguém a notou.

- Verão. Calor. A cabeceira da cama colocada embaixo da janela não foi proposital, mas por falta de espaço. E numa linda manhã ao despertar, vimos um pequeno beija-flor investigando o quarto. Nossa surpresa o assustou. Vimos que voltou ao ninho, no galho mais alto da antiga amendoeira do centro da praça e deve ter vindo apenas avaliar se havia perigo ao redor. Ou seria um simpático gesto de visita aos vizinhos?

Por favor, não me acusem de voyeurismo. Afinal, de médico, louco e voyeur todo mundo não tem um pouco?

Um comentário:

Marcelo disse...

Da janela dos meu quarto, tenhpo todas as paisagens do mundo, geralmente quem a divide comigo não ve além da minha pequena rua sem saída, mas olhos da minha imaginação me levam a qualquer lugar do mundo.