sábado, 28 de março de 2009

Reflexões

por Ana Maria Chagas

Estive longe do cafezinho e das letras, porque entrei no estressante processo de procura, compra e mudança para um novo apartamento.

Confesso que ando meio sem inspiração para escrever...

Por vezes a vida da gente parece girar em círculos repetitivos de acontecimentos, enquanto tentamos mudar nosso comportamento e atitudes pra tentar fazer tudo melhor desta ou de uma próxima vez.

Senti saudades do blog...De quem sou quando escrevo... Dos comentários dos amigos ...

Mas ainda me sinto bloqueada. Não por falta de idéias, mas por excesso ...

E fica difícil parar, escolher uma delas e deixar a emoção me guiar para escrever.

Faz algum tempo escrevi sobre como gostaria de ter uma porta USB no meu cérebro, onde pudesse ligar um cabo direto ao computador e fazer um download de tudo que penso.

Pena que não salvo os chats que tenho com amigos pelo MSN. Já deixei passar muito material para escrever. Bons textos em conversas bem interessantes com amigos idem.

Mas alguns deles não deixaram passar não. Tenho visto alguns dos meus pensamentos em artigos ou crônicas de amigos escritores.

É verdade! Um até ficou famoso..Mérito dele, claro. Mas um pouco de mim está lá.

Quem pode culpá-lo? Talvez, a sintonia de nossos pensamentos ao conversar fosse sempre tão perfeita, que ele acabou por assumir como dele algumas das minhas idéias.


Voltando a falar sobre escrever, durante a mudança para o novo apartamento, no meio dos livros, recortes, cartões e tudo mais que guardo com mais carinho, encontrei um antigo caderno onde comecei aos 15 anos de idade, em 1979, a deixar a caneta traduzir meus sentimentos.

Na maioria são pequenos textos, logicamente infantis, onde comecei a registrar as primeiras paixões, desilusões, etc. Mas relendo hoje, me surpreendi lembrando o que motivou a escrever cada um. Foi uma deliciosa viagem ao passado.

Escolhi um deles para postar aqui hoje, porque me surpreendeu que quase 30 anos depois eu ainda tenha em mim os sentimentos da menina que o escreveu :



Reflexões



Verde mar,
o que trouxeste?
Brancas ondas,
de onde viestes?
Ser mar, ser terra, ser ar,
seres que se formam... Viver...
Na areia sento e penso,
atrás do Ser o que há de ter?


Estou triste, sou só.
Sou mar seco, terra podre, ar impuro.
E na areia sentada ainda penso,
o que faz um barco sem rumo?


Folhas que caem,
encontraram liberdade?
Árvores secas, sentem saudades?
Temo a ilusão. Não amo.
Sou o pobre mar, a pobre terra, o pobre ar.
Mas aqui sento para pensar,
nunca posso do destino me afastar?


Gaivotas passam gritando,
estarão rindo?
O sol faz reflexos no mar,
tenta ele refletir também em mim?


Agora estou feliz, já posso sorrir.
Sou mar calmo, terra fértil, ar puro.
E levantando da areia penso ainda
para me completar, o que mais pode vir?

sábado, 10 de janeiro de 2009

Internet e Literatura

por Teócrito Abritta

Neste número o Montbläat chega gloriosamente a sua edição 300, estando caminhando pelo seu quinto ano de existência. Este percurso, como sabemos, tem sido difícil, mas, apesar das dificuldades, esta publicação independente continua existindo graças aos esforços de seu redator, Fritz Utzeri, da sua “equipe” de redação, de seus leitores e de alguns patrocinadores, mais movidos por interesses culturais do que econômicos ou políticos, como a Editora Sextante, contando ainda com a solidariedade de outros sites como bafafá on line, Guia Urbano e Universo da Mulher.

Hoje com o crescimento vertiginoso da Internet existe uma preocupação muito grande com o seu controle, tornando-se não um instrumento de democratização da informação, mas um dos mais eficientes meios de domínio da opinião pública.

Esta discussão do controle da informação é antiga e logo depois da Segunda Guerra Mundial refletia-se na literatura e no cinema, com obras como o romance Fahrenheit 451, de Ray Bradbury, lançado em 1953 e adaptado magnificamente para o cinema em 1966, sob a direção de François Truffaut. Esta época também ficou marcada pelo romance 1984 escrito por George Orwell em 1949. Nestas obras a cultura era perseguida implacavelmente, realidades imaginárias tornavam-se verdades e tudo era controlado por meios eletrônicos. Em certo sentido a nossa televisão exerce um enorme controle sobre a opinião pública, favorecendo versões de interesse dos seus patrocinadores, sejam marcas comerciais ou forças políticas que controlam a sociedade de uma maneira não democrática.

Com o avanço da Internet as coisas podem piorar, já que assistimos entre as novas gerações um acentuado declínio dos hábitos de leitura de documentos impressos – sejam livros, revistas ou jornais – ficando fortemente dependentes das informações que chegam as suas mãos, muitas vezes de uma forma passiva, pela Internet. Com o desprestígio das obras escritas e com a ausência de reflexões mais profundas, o domínio dos patrocinadores tende a ser absoluto, ditando a moda, dizendo o que comer, favorecendo preconceitos, elegendo políticos e assim por diante, já que tudo terá maior credibilidade sob o manto de alguma grande empresa telefônica que promova espetáculos com superstars do que a palavra de um pensador independente e pouco conhecido que usa como arma apenas um apelo para a reflexão.

Isto pode ser visto com o abandono criminoso da nossa cultura, dos nossos museus, centros culturais, bibliotecas, universidades e uma total ausência de políticas sérias de educação e promoção social. Mesmo na época da ditadura militar existiam programas educacionais, como o Mobral, e políticas de melhoria de museus e centros culturais. Esta situação de terra arrasada na área cultural, uma das tristes marcas do governo Lula, pode ser sintetizada na Figura 1, onde livros são transformados em meras colunas decorativas para uma mesa.



Figura 1 – Livros são transformados em colunas decorativas para uma mesa.

Mas, estamos aqui mais para festejar a sobrevivência do Montbläat do que para nos aprofundarmos nesta discussão. Neste sentido vamos falar um pouco das preocupações que a literatura, o segmento cultural mais vulnerável a um possível controle de opinião, tem desta problemática.

Para isto, convido-os a ler, ou reler, o conto “Biblioteca de Babel” de Jorge Luis Borges, escrito em 1941 (publicado em Ficções, Companhia das Letras – 2007) e o ensaio “Uma Carta para Borges”, escrito em 1996 por Susan Sontag (publicado em Questão de Ênfase, Companhia das Letras – 2005).

Borges usa a imagem de uma biblioteca como uma metáfora do universo, da humanidade e de sua criação. Após dez anos da morte de Borges, Susan Sontag fez uma grande homenagem a sua genialidade com este ensaio, em forma de uma carta pessoal, onde deixa transparecer as suas preocupações com os livros, a cultura e a liberdade de expressão. Abaixo transcrevo algumas das palavras desta escritora que conseguem falar muito mais do que os meus comentários.

... Se os livros desaparecerem, a história desaparecerá, e os seres humanos também. Tenho certeza de que você tem razão. Livros não são apenas a suma arbitrária de nossos sonhos e de nossa memória... Eles nos dão também o modelo da autotranscendência...
... Lamento ter de dizer a você que os livros, hoje, são tidos como uma espécie ameaçada...
... Em breve, nos dizem, invocaremos em “telas-livro” quaisquer “textos” que quisermos e poderemos alterar seu aspecto, fazer perguntas a eles, “interagir”. Quando os livros se tornarem “textos” com o que “interagiremos” segundo o critério da utilidade, a palavra escrita terá se transformado simplesmente em mais um aspecto da nossa realidade televisual regida pela publicidade. Esse é o glorioso futuro que está sendo criado e prometido para nós, como algo mais “democrático”. É claro, isso significa nada menos que a morte da interioridade – e do livro.
... Mas, esteja certo, alguns de nós não abandonaremos a Grande Biblioteca. E você continuará a ser o nosso patrono e o nosso herói.


Há quatro anos Susan Sontag partiu de nosso mundo para juntar-se a Borges na “Grande Biblioteca Celeste”, deixando-nos estas belas palavras para refletirmos.

Espero que esta reflexão contribua para que nós da comunidade do Mont encontremos uma solução para continuarmos semana após semana, construindo volumes para esta infinita biblioteca.

Do Rádio Galena a Internet

Por Teócrito Abritta

Outro dia em uma cafeteria, ao observar os verdadeiros escritórios móveis dos freqüentadores, em sua maioria jovens, com seus notebooks conectados pelo mundo afora via Wi-Fi, fiquei a refletir na vertiginosa evolução dos meios de comunicação e da escrita – que, devido a sua variedade, chamamos propriamente de multimídia – que testemunhei nos 61 anos de minha existência. Uma elegante jovem ao meu lado, digitando o seu notebook com uma velocidade invejável, lembrou-me de uma antiga foto intitulada, Dactylo tirada na beira do rio Sena, em Paris, no ano de 1947 (ver Figura 1). Sempre se escreveu, sempre nos comunicamos, o que mudou foram as facilidades e a velocidade de divulgação da informação.

Figura 1 - Dactylo, Robert Doisneau, Paris 1947

Quando me lembro do esforço gigantesco que era datilografar um texto mais longo, não sinto nenhuma saudade destes tempos.

As minhas teses de Mestrado e Doutorado foram datilografadas em casa pela minha esposa em uma tarefa considerada tão heróica, que ao ser dado o último toque na última linha da tese de Doutorado, após as inúmeras versões corrigidas, fizemos uma comemoração com foto e tudo (ver Figura 2). Lembrando que freqüentemente as correções no texto implicavam em datilografar novamente capítulos inteiros.

Figura 2 - A Datilógrafa

Mas, felizmente a inteligência e a produção intelectual está acima de qualquer tecnologia, devendo o homem não se descuidar do desenvolvimento de raciocínios lógicos e intuitivos, princípios éticos e uma visão social e política, caso contrário, será uma massa passiva, manipulada pelos meios de comunicação patrocinados por interesses meramente comerciais que pululam por aí, em particular na Internet. O importante é usar as facilidades da informatização para o nosso aperfeiçoamento e não para um empobrecimento intelectual, com a perda da capacidade da escrita e da especulação (ver Novidade – Misoneistas e Neófonos, Anna Maria Ribeiro – Montbläat 268, 14 a 20 de dezembro de 2007).

Aqui faremos um passeio pela História da multimídia, comparando, de uma maneira divertida, os novos dispositivos tecnológicos, com as atualmente consideradas geringonças que os antecederam, mostrando que no fundo as diferentes gerações humanas são muito parecidas.

Rádio Galena, iPods e celulares
Enquanto os jovens de hoje se maravilham com seus caríssimos iPods, há cinqüenta anos se encantavam com o rádio galena, aquela pedra maravilhosa que ligada a um pedaço de arame – chamado de bigode de gato – e a um fone, obtido de sucata de telefone, permitia a sintonização de ondas de rádio. Era um fato fascinante e mágico tirar música de uma pedra, que era o sulfeto de chumbo natural, que foi usado na segunda guerra mundial como receptor elementar de ondas de rádio, sendo posteriormente substituído por semicondutores de germânio ou silício.
Os celulares de hoje, maravilha das comunicações, só eram conhecidos nas histórias de quadrinhos, onde o Detetive Dick Tracy falava em um rádio de pulso. Mas, em compensação tínhamos uma rede de rádio amadores que transmitiam notícias dos lugares mais remotos do planeta, providenciando salvamentos e fazendo denúncias.

Os jovens do passado também tinham os seus sonhos de consumo, como uma calça Lee ou a mais cobiçada que era a Levis Straus. No tocante a tecnologia o supra-sumo, dos universitários de áreas científicas ou tecnológicas eram as réguas de cálculo Aristo ou Faber Castell, consideradas umas das maravilhas da época, para intricados cálculos matemáticos, sendo hoje apenas uma relíquia disputada por colecionadores (ver Figura 3). Até hoje me lembro da minha primeira calculadora eletrônica, uma HP-45, presente de um ano de casamento, comprada em 12 prestações, com exigência de fiador e tudo.
Figura 3 - A régua de cálculo, uma das maravilhas dos calculistas

Epidiascópios e Retroprojetores
Hoje, diante de um moderno sistema de apresentação multimídia, onde um computador é conectado a um projetor óptico, possibilitando o uso de textos, sons, imagens e arquivos da Internet obtidos em tempo real, bem como animações feitas por programas de computador, não imaginamos a parafernália que usávamos no passado nas “modernas” apresentações com o uso do que na época chamávamos de “recursos audiovisuais”. Fotografias e quaisquer materiais impressos eram projetados pelos epidiascópios. Tinha também os microscópios de projeção e outros equipamentos, que seriam os precursores dos projetores de slides (ver Figura 4). Mais tarde apareceram os retroprojetores para transparências. Para o uso de sons e imagens eram usados gravadores de fita e projetores de filmes.

Figura 4 - Um dos precursores dos slides

Do Mimeógrafo a Xerox
Na divulgação de materiais impressos, durante muito tempo reinou o mimeógrafo a álcool e depois a modernidade colocou em nossas mãos o estêncil para mimeógrafos elétricos, onde os textos podiam ser batidos na máquina de escrever. Porém, a maior dificuldade era fazer figuras riscando com um estilete. Não dá nem para pensar hoje em dia quando usamos uma impressora.
As máquinas de escrever evoluíram muito, e algumas permitiam trocar as fontes, trocando uma esfera com os tipos, o que facilitava os trabalhos científicos quando tínhamos de usar letras gregas, que são os símbolos matemáticos. Mais tarde apareceram as máquinas de escrever com memória, a xerox e aí não paramos mais.

Pichações e o Spray
Hoje, com a tinta em spray sendo usada não só pelos artistas do grafite, como também por aqueles que irresponsavelmente emporcalham tudo, é difícil imaginar como podíamos escrever uma frase de protesto como, por exemplo:
ABAIXO A DITADURA

Para isto eram preparados lápis gigantes de aproximadamente 25 cm de comprimento e 5 cm de diâmetro, obtidos derretendo sebo, parafina e usando como corante o chamado pó de sapato, permitindo inscrições nas cores preta, azul ou vermelha. O problema era que o cheiro do sebo era uma prova irrefutável do crime político cometido. Nas colagens de cartazes usava-se o grude, que era uma cola doméstica feita com farinha de trigo ou polvilho, que era preparada em grandes quantidades, em baldes, para ser aplicado com vassouras, o que emporcalhava todo mundo. Enquanto hoje um internauta com um simples toque do mouse envia o seu protesto para o mundo inteiro, no passado tinha que se esgueirar pelas sombras da noite, todo lambuzado de parafina, grude e sebo para fazer o seu protesto chegar a muito poucas pessoas ou amargar uma prisão.

Cientistas e Contrabandistas
Enquanto a ditadura no Brasil impunha uma Lei de Reserva de Informática, que regulava a fabricação e importação destes itens de última tecnologia, cientistas brasileiros viravam contrabandistas, adquirindo ilegalmente circuitos digitais, que eram usados para construir os primeiros microcomputadores, usando televisões como monitores, gravadores de fitas magnéticos como memórias e teclados de máquinas de escrever elétricas ou de vários telefones, para a montagem final dos teclados dos chamados microcomputadores. Estes criativos cientistas-contrabandistas com muita dificuldade e trabalho publicavam seus estudos e deixavam sua colaboração para o saber universal.

Criatividade ou Alienação
Hoje tomamos conhecimento de que somente no ano de 2007 no Brasil foram vendidos 35 milhões de telefones celulares, sendo que quase 2 milhões apenas por ocasião do Natal, e que a maioria destas compras foram feitas por pessoas dirigidas pela propaganda que trocaram seus antigos aparelhos apenas em busca de uma luz piscante a mais. Estes fatos devem levar-nos a uma séria reflexão sobre a evolução da informática e das comunicações com o agravante de que estes mesmos consumidores ao fazerem os seus cadastros nas lojas, quando fornecem o número de seus CPFs podem constatar que os comerciantes já possuem todos seus dados pessoais, em um verdadeiro controle da privacidade das pessoas, como se a loja fosse uma sucursal da Receita Federal, mostrando que as nossas Leis, desde a Constituição Federal, passando pelo Código Civil e chegando até ao Código Penal, são letras mortas, o que é também reforçado pelo próprio governo federal quando apenas declara que um cidadão tem o seu imposto de renda na malha fina da Receita Federal, sem maiores informações, negando o elementar direito de saber de que se é acusado e o direito de defesa imediato. Outro fato grave é a corrida para a compra dos caríssimos conversores para a TV digital, por uma massa que age como zumbis, comandada pela mídia globalizada, obedecendo a um comando consumista em direção a uma tecnologia incipiente e não existente efetivamente. Esses fatos foram bem sintetizados por um cidadão da chamada terceira idade que ao se sentir ridicularizado por uma “moderninha” atendente de uma loja de informática, respondeu: É, você parece ser muito esperta para apertar estes botões coloridos, mas garanto que não sabe o valor da raiz cúbica de oito!

O perigo, portanto, do mundo informatizado é a geração de toda uma geração de analfabetos, sem raciocínio lógico, domínio da escrita, mas exímios apertadores de botões, que se consideram muito valorizados quando espalham informações de qualidade duvidosa pela Internet, tal qual aquele maníaco que escreve impropérios nas paredes dos lavatórios, protegido pelo anonimato dos banheiros públicos.

O bom uso das facilidades da informatização só será efetivo para um povo alfabetizado com conhecimentos de matemática, ciências, domínio da escrita e uma visão social. Caso contrário teremos uma mera carneirada, bem ao gosto dos políticos desonestos e dos mistificadores religiosos dos dias de hoje.
(Teócrito Abritta é físico, escritor e colunista do jornal eletrônico Montbläat (www.montblaat.com.br).