quarta-feira, 27 de agosto de 2008

Não quero dar adeus ao Cine Paissandu...

por Ana Maria Chagas

Hoje de manhã recebi a ligação da amiga Magali Almeida e quando comecei a dar os parabéns pelo seu aniversário, ouvi a voz mais decepcionada do mundo:
- Ana, vão fechar o Paissandu! Como é que deixam isso acontecer?

O Cine Paissandu fica no bairro do Flamengo, RJ, onde Magali esteve presente na primeira sessão de apresentação do filme Casablanca que assistiu suspirando por Humphrey Bogart.

Foi tão triste quanto receber a notícia da morte de um parente. Juro.
Não quis acreditar.

Busquei a notícia no Google e encontrei a reportagem “A Última Sessão do Estação Paissandu” de Eduardo Fradkin (O Globo - 24/08/2008 05:00:09) dizendo que após 48 anos de existência fechará no dia 31 de agosto “(...) o cinema que formou, nos anos 1960, a Geração Paissandu, rótulo que agrupava jovens cinéfilos e intelectuais de esquerda incapazes de perder os longas de Jean-Luc Godard, Louis Malle, Michelangelo Antonioni, François Truffaut e outros cineastas autorais”.

Viram só? Sabe aquele tempo em que os jovens era mais antenados com os acontecimentos políticos e econômicos do país? Onde eles se reuniam? Cine Paissandu!

E daí se hoje a nova geração prefere o shopping?
Ah! Se eu pudesse ensinar aos jovens o quanto um filme de Truffaut, Kieslowski e tantos outros agregam para a formação do nosso pensamento crítico, nossa personalidade e da importância do “ser” em detrimento do “ter” tão valorizados nos enlatados americanos!

Eu que sempre me senti uma “excluída cultural” por não ter acesso à filmes estrangeiros e aos chamados “filmes alternativos” nos cinemas da Zona Norte do RJ, agora nem mesmo na Zona Sul.
E o que vão construir naquele terreno? Já não temos supermercados e igrejas demais?
Nada contra, mas além do pão para corpo e espírito, a população precisa de alimento para o raciocínio, para as novas experiências, cultura enfim.

Não quero dar adeus o Cine Paissandu.
Quero me encher de esperança de que no exato último instante - como nos filmes mais emocionantes da história – apareça a cavalaria chamada “patrocínio” e salve este maravilhoso patrimônio carioca.

Ah! Não resisto! Vou fazer um apelo:

"Empresários: uni-vos! Será que não existe nenhum empresário cinéfilo que possa ajudar na preservação e continuidade do nosso Cine Paissandu?"

domingo, 24 de agosto de 2008

Também quero brincar!

por Ana Maria Chagas


Vocês leram?
A Ieda nos convidou pra brincar!

Apresento pra vocês então meu dois xodós: Asterix e Calvin.


Tenho toda a coleção de revistas em quadrinhos do Asterix & Obelix desde menina, presenteada por meu pai. De vez em quando ainda tomo essa poção mágica de humor folheando uma delas. É revigorante e me dá uma força incrível.
E este Asterix veio da Europa (chique né?). Encomendei de uma amiga que foi à França.

Já o Calvin representa meu lado moleque e argumentador.
Sempre que preciso, olho pra ele e lembro daquela pergunta insistente que as crianças fazem e que não devíamos nunca abandonar ao crescer: "Por que não"?
Este aí comprei numa lojinha do Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB-RJ).

Gostaria muito de ter também os pares de cada um: Obelix e Haroldo.

Pra não se sentirem sozinhos, coloquei juntos na minha prateleira.
Mas de vez em quando pulam pro computador. Olhem só :

Vamos lá Charles! É sua vez!

Começou a brincadeira e passei a bola pra você! >:op

sábado, 23 de agosto de 2008

Brasilidade

por Ieda de Oliveira

“(...)
Somos nós que fazemos a vida

Como der ou puder ou quiser
Sempre desejada
Por mais que esteja errada
Ninguém quer a morte
Só saúde e sorte
E a pergunta roda
E a cabeça agita
Eu fico com a pureza da resposta das crianças
É a vida, é bonita e é bonita
Viver, e não ter a vergonha de ser feliz
Cantar e cantar e cantar
A beleza de ser um eterno aprendiz
Ah meu Deus eu sei, eu sei
Que a vida devia ser bem melhor e será
Mas isso não impede que eu repita
(a vida) É bonita, é bonita e é bonita.” (*)

Viver e não ter a vergonha de ser feliz (Gonzaguinha)
(*) grifo meu


Domingo acordei totalmente abrasileirada. Sintonizei na MPB FM e, sob o som de Vinícius, Simonal, Novos Baianos, Jobim, Elis, Jackson do Pandeiro entre outros não menos sensacionais, cantei e cantei e cantei. E não foi por causa do clima de medalhas, lutas, sangue e suor dos nossos atletas em Beijin, não (que, aliás, merecem aqui todo o meu carinho e palmas pelo empenho nestas Olimpíadas), mas devido à brasilidade que me abateu nesses últimos tempos.

Pois então, terminei de ler dois livros de Machado de Assis (confesso, ainda não tinha lido Dom Casmurro. Mas, mais do que nunca precisava saber, afinal, se Capitu traiu ou não traiu Bentinho. Querem a minha opinião? Depois eu digo em outra crônica, ok?) e emendei nos melhores contos de Rubem Braga. Sobrou um tempinho e li sobre cerca de 90 escritores estrangeiros, mas me impressionei e corri para ver a exposição da Clarice Lispector (a escritora ucraniana mais brasileira que o Brasil já teve) lá no CCBB, no Centro do Rio. Aproveitei e adquiri dois livros dela no mesmo dia. Mas hoje, segunda-feira, não resisti e entrei na Livraria da Travessa e comprei Doidas e Santas da Martha Medeiros, lançado semana passada.

E assim a pilha de livros vai aumentando. É preciso ser justa e manter a ‘ordem de chegada’. Mas já estou mal vista por eles (os livros). Se tivessem vida própria, já daria para ouvir as reclamações. “Lá vai ela pegar a Clarice... eu estou na fila há dois meses!” “Não, reclama, não, Saramago. E eu que estou aqui na fila desde 2006!” “Ah, tá, Luiz Fernando, quem me garante que ela não irá ler primeiro a Martha que comprou hoje”, observa Clarice. Ai, que vergonha...

Enquanto discorro sobre arte, cultura e a ‘grande descoberta’ de ser brasileira, reflito também sobre algo importante e de onde origina todo esse orgulho de ser brasileiro ou mesmo o prazer de viver, saber viver: os princípios e valores passados pelos nossos pais e pelos pais dos nossos pais e pelos pais destes. Penso e torço pelos homens e mulheres que diariamente acrescentam verdadeiros valores através de valiosas atitudes – pequenas ou grandes - e que deixam como herança – mesmo que ofuscada pelos valores vendidos por outras culturas – aos filhos, aos seus futuros homens.

A arte, a cultura, o trabalho, a religião, a dignidade sobrevivem através de poucos que estão aí... lutando para ver o mundo melhor. E o mundo melhor, não é aquele dia quando o sol está bonito lá fora e vai dar praia ou quando o Brasil ganha uma Copa do Mundo (tão patético exemplo), não. O mundo melhor é o seu! É aquele que você pode oferecer ao outro. É o mundo que você oferece a sua família, que a família oferece a sua comunidade, que a comunidade oferece ao seu bairro, que a oferece a sua cidade, que oferece ao seu estado, que oferece ao seu país, enfim, ao resto do mundo!

Portanto, o meu mundo melhor hoje é fazer uma boa leitura, indicar uma boa exposição que resgate mundos melhores do passado, ouvir um bom CD de chorinho (gravado na Lapa, hein!), dar uma ou duas voltas na Lagoa Rodrigo de Freitas, ou mesmo naquela pracinha simples perto de casa e comer um pastel que só lá se faz, ou escrever aqui o quanto eu desejo que o mundo seja sempre o melhor para você!

Nossos Betinhos

por Ieda de Oliveira



Saudades do Betinho (ver em 4/8/8) teve ótimos comentários. Uns foram a favor de um resgate cheio de estratégias da casa de minha sobrinha Alessandra, outros refletiam sobre os seus próprios ‘Betinhos’. Meninas e meninos quarentões que, no fundo, no fundo, ainda mantém seu 'betinho' guardado em casa – ou na casa dos pais, pelo menos.

Tais 'betinhos' podem estar representados através de uma coleção de miniaturas ou de um boneco do Star Trek ou do Falcon; ou de uma boneca Susie ou alguma mais antiga ainda; ou num anel achado numa caixa de sucrilhos. Podem estar representados na compra daquele almanaque dos anos 70, 80, 90 (até do Fusca!) ou daquele livro maravilhoso e inesperadamente encontrado numa feira de livros antigos...

Cada um tem o seu betinho da forma que melhor lhe fizer bem.

By the way, qual é o seu Betinho?

**



Betinho no aniversário de 25 anos da Alê, no dia 10.

Ieda

domingo, 17 de agosto de 2008

Olhares...

por Ana Maria Chagas

Vocês já observaram uma cena poética, original, por vezes indescritível e na hora H não tinha uma câmera fotográfica?

E quando uma cena diz muita coisa pra você, mas não adiantaria fotografar porque o sentimento é todo seu? Daí você quer contar pra alguém, mas as palavras parecem não conseguir exprimir todos os detalhes. Nem da cena observada, nem do seus sentimentos em relação a ela. E parece que o encanto pertenceu só aquele minuto e não pode ser repassado a ninguém.

Moro próximo à uma praça e da janela posso observar diariamente alguns momentos poéticos despertados pelas pessoas que a freqüentam, pelas árvores ao redor e pelos pássaros que moram nelas, como estes:

- O olhar do menino era como o céu ao escurecer misto de azul e o negro – e refletia a vitrine da loja onde, de nariz colado, fixava o pequeno caminhão de bombeiro exposto à venda. Sabia que o pai estava impaciente para ir embora, mas não podia perder nenhum detalhe do que passou a ser seu mais novo objeto de desejo infantil, para melhor relatar quando a zanga do pai já tivesse passado.

- O homem inquieto, a cada minuto olhava o relógio e ao redor. Era jovem, meio gorducho e, por vestir uma camisa larga sobre a bermuda comprida até aos joelhos, parecia baixo e atarracado. Um boné disfarçava um princípio de calvície e nos pés usava tênis já meio gastos. De repente, algo lhe desperta a atenção ao olhar. Retira o boné acertando os poucos fios rebeldes, alisa a camisa decidindo que ficaria melhor por dentro da bermuda e busca no banco onde estivera sentado uma rosa embalada em celofane. Recebe o abraço de uma moça mais alta e sorri como aliviado. Teria sido perdoado?

- Justamente no meio do inverno, uma pequena vegetação que vinha crescendo com galhos ressecados em meio a um pequeno canteiro mal tratado, resolveu florescer. Uma, duas...muitas flores amarelas. Localizada próximo ao movimento intenso de um ponto de ônibus, mesmo vestida pelo sol da manhã, ninguém a notou.

- Verão. Calor. A cabeceira da cama colocada embaixo da janela não foi proposital, mas por falta de espaço. E numa linda manhã ao despertar, vimos um pequeno beija-flor investigando o quarto. Nossa surpresa o assustou. Vimos que voltou ao ninho, no galho mais alto da antiga amendoeira do centro da praça e deve ter vindo apenas avaliar se havia perigo ao redor. Ou seria um simpático gesto de visita aos vizinhos?

Por favor, não me acusem de voyeurismo. Afinal, de médico, louco e voyeur todo mundo não tem um pouco?

quinta-feira, 14 de agosto de 2008

Rebobinamento digital

por Ieda de Oliveira

Esta semana, resolvi substituir o bloquinho de anotações pelo meu velho gravador. Em vez de ficar escrevendo, registrar as idéias para as minhas crônicas no tape. Na hora do almoço saí à cata de uma fita Cassette (ou K7, lembram?). Uma colega do trabalho foi logo me avisando: 'Você não vai encontrar...' Como não? Não acredito que as fitas Cassette já estejam todas abolidas, gente! Apesar de toda essa tecnologia nova, as fitas devem estar sendo vendidas em algum lugar. E os repórteres gravam com o quê, então?

A primeira loja, um laboratório fotográfico. A vendedora não entendeu a pergunta. 'É uma fita Cassette, aquela que a gente coloca num gravador e...' Eu estava praticamente fazendo mímicas e ela continuou sorrindo, ou melhor, continuou não entendendo do que se tratava exatamente.
Comecei a ficar preocupada. Não pelo fato de não encontrar mais a bendita fita, mas por começar a me sentir velha e ultrapassada. Já, meu Deus!? A situação lembrou os relatos do meu pai sobre gramofone, transistor de rádio, válvulas de televisão etc. E agora, eu aqui, passando pela mesma sensação que o coitado devia passar quando eu o olhava como se estivesse relatando sobre a vida em outro planeta; ou mesmo a minha mãe quando dizia que qualquer aparelho com mais de dois botões, nem precisava comprar para ela.

A segunda loja, uma mega store. Na minha opinião, ou esperança, como queira, ali eu encontraria, ao menos, algumas.
Um vendedor chamou o outro para ajudar. Precisava mesmo? Uma convenção começou a se formar:

- A senhora quer dizer gravadores com microfita, certo? - disse o segundo vendedor.

- Não, microfita é para secretária-eletrônica. Eu quero aquelas fitas maiores, tamanho padrão para gravador, gravador, sabem...?
– comecei de novo com as mímicas. - Não é fita pra vídeo, não, hein...

- Ah... então é o gravador digital.

- Gravador digital? Digital? Mas gravador digital não é aquele gravador de DVD, não? -
Será que se eu falasse do walkman, eles atinariam pra coisa ou ririam na minha cara?

- Não, este usa USB PDR180 ou RR-US450, depende do mod...
– informava o primeiro vendedor.

E pronto. O pânico se instalou de vez. Não entendi ou ouvi mais nada. Agora era real: eu estava vivendo em um mundo paralelo ao meu. Eu me senti um personagem de Além da Imaginação! Falava de algo que ninguém sabia do que se tratava!


E isso não é de agora. Na festa de vinte anos de formatura, em 2006, a filha de um ex-colega de faculdade ficou impressionada por não existir celular na nossa época: 'Como os caras faziam para avisar às namoradas que estavam chegando e que era pra descer?' Humm... Sabe que não me lembro mais!
É... só sei dizer que de lá para cá comecei a ficar receosa. Para mim, ainda era cedo para preocupações com a idade; eu recém-chegada à casa dos 40. Mas agora a coisa estava ficando, digamos, mais pesada para o meu lado.

Mas é fato. Adaptação é a palavra de ordem. Como no exemplo clássico daquele torneiro-mecânico que se preocupava em perder o emprego para um robô, que certamente tomaria o seu lugar porque tinha tecnologia capaz de desenvolver as tarefas diárias de maneira bem mais rápida que o ser humano. Foi aí que alguém sugeriu ao operário que aprendesse a manejar o robô para se manter no mercado. Nada mais acertado a ser feito: se adaptar às novas metodologias de trabalho. No meu caso, às novas mídias de comunicação.

O avanço da tecnologia ganha cada vez mais espaço na vida da gente. Mesmo que queiramos fugir ou bater o pé 'que nem o celular' vai usar, a tecnologia ainda vai te 'pegar'. Ainda outro dia mesmo, um amigo foi ao Ministério da Fazenda e para ser atendido precisava de senha. 'Claro, aonde pego?' 'Pela internet, no site da Fazenda.' É isso: senha pelo site. E quem não tem acesso a computador...

Resistente (puxou ao pai), ontem eu me peguei pesquisando no Google por modelos de gravadores... digitais. Adaptação, ainda que tardia...


PS.: Depois de ir a mais três lugares naquele dia, encontrei as fitas K7 em uma lojinha pertinho do trabalho. Se alguém aí quiser o endereço...

E apenas por curiosidade arqueológica:
http://pt.wikipedia.org/wiki/Cassete
http://www.tapedeck.org/

segunda-feira, 11 de agosto de 2008

Lar, doce bar

por Charles do Nascimento

O grande Moacyr Luz, sambista da primeira grandeza, está fazendo sucesso também no mercado editorial com a obra Manual de sobrevivência nos butiquins mais vagabundos. O livro estimula a reflexão sobre as práticas e tradiçõesno Rio de Janeiro, com base nos hábitos e comportamentos que caracterizama maneira própria de ser do cidadão carioca. A publicação, um relato importantesobre a memória cultural do Rio de Janeiro, reúne depoimentos e registra aspectos da cidade e os valores de uma cultura muito peculiar, que ainda influencia o resto do país.

Em outro livro (Meu lar é um botequim) Eduardo Goldenberg rende homenagemaos botequins mais vagabundos (e irresistíveis) da Tijuca e de Vila Isabel, bairros da zona norte onde o autor nasceu e foi criado, respectivamente. Outras publicações pegaram carona no mesmo mote e estão 'pipocando' por aí. A própria prefeitura municipal, há alguns anos, patrocina a publicação de um guia sobre os melhores botecos do Rio.

O redator-que-vos-fala também não resiste a um bom pé sujo. E ao longo de três décadas de freqüência assídua (sobretudo antes do matrimônio), coleciona histórias saborosas para compartilhar com os amigos próximos e os amigos de ocasião. Uma delas foi contada recentemente, pelo próprio Moacyr Luz, durante um bate papo em Santa Tereza.

O autor de Saudades da Guanabara conta que, segundo a lenda, o cliente teria chegado a um bar, olhado a vitrine e escolhido o salgado a seu gosto.

- Eu quero aquele quibe. - disse o cidadão, com ar um tanto autoritário.
Sem perder a pose, o português por detrás do balcão respondeu prontamente:
- Que quibe porra nenhuma!.
Com um pano de prato pra lá de encardido, espantou as moscas da vitrine e retrucou:
- Isso aqui é ovo cozido, vai querer ou não?

Se fossemos fazer uso deste espaço para narrar histórias e anedotas de botequim, esse blog seria pequeno. Mas uma tendência estranhamente moderna é dignade nota: a idéia recorrente de os novos proprietários 'modernizarem' alguns dos mais tradicionais pés-sujos da cidade. A novidade, que começou pelos estabelecimentos mais famosos do centro e da zona sul, está se estendendo para botecos bem mais modestos, situados em bairros mais distantes. Pois fica aqui um protesto! Freqüentador de verdade não tolera botequim de grife. Esses bem limpinhos, metidos a besta que reúnem mauricinhos, patricinhas e pseudos-intelectuais de ocasião. Em geral, cobram um preço exorbitante e a comida não presta.

Em tempos de globalização, essa tendência chegou também à longínqua e aprazível Vila da Penha, Zona Norte do Rio. O próprio redator-que-vos-fala foi vítima. Após um dia exaustivo de trabalho (e qualquer trabalho é exaustivo), embarcou no ônibus da linha 350? Passeio-Irajá. Até chegar ao destino, a 28 Km dedistância, foi necessário ficar 1h30 esmagado entre mais de 120 passageiros.

Como ninguém é de ferro, antes de começar a segunda jornada de 'tarefas' no seu sacro santo lar, resolveu dar uma paradinha 'tudo muito rápido' no bar em frente ao ponto de ônibus. E eis que para minha surpresa um dos meus pés-sujos prediletos desapareceu. Como num passe de mágica, simplesmente virou pé limpo. Agora foi todo reformado, pintado, ganhou balcão de madeira, piso branco, mesas de granito etc e tal. No cardápio, hambúrguer, hot dog, açaí com granola. O banheiro está mais cheiroso do que o lá de casa... Enfim, ficou tudo uma grandessíssima merda!

O empresário que financia um absurdo desta monta, na realidade não reconhece o verdadeiro papel social do seu negócio. E fica aqui a nota de desagravo. Salvem os últimos pés sujos remanescentes, que deveriam ser tombados como patrimônio cultural da cidade! A cantora Alcione, em uma de suas mais brilhantescomposições, faz um relato definitivo:

Mesa de bar
É lugar para tudo que é papo da vida rolar
Do futebol, até a danada da tal da inflação
É coração, fantasia e realidade
É um ideal paraíso adonde nós fica a vontade

Mesa de bar
É cerveja suada matando a pau o calor
Vamos cantar aquela cantiga que fala da luta e do amorMas antes brindar em homenagemAqueles que já não vem mais
Saúde pra gente, moçada, que a gente merece demais

Em torno de um copo a gente inventa um mundo melhor
A dona birita levanta a moral de quem está na pior
A água da mágoa se enxuga no pano daquela toalha
Pra acabar com a tristeza
Esse remédio não falha

Na mesa de um bar todo mundo é sempre o maior
Todo mundo derrama as tintas da sua alegria
Copos batendo na festa da rapazeada
Se bem que a gente não esquece que a barriga anda meio vazia

É que mesa de bar é onde se toma um porre de liberdade
Companheiros em pleno exercício de democracia
Mesa de bar é onde se toma um porre de liberdade
E companheiros em pleno exercício de democracia

sábado, 9 de agosto de 2008

Dia das meias (ou melhor, dos Pais)

por Ieda de Oliveira

Eu me lembro das comemorações aos Dias dos Pais na época de menina, ainda na escola pública, época na qual os nossos pais eram sempre surpreendidos com um presente inusitado: um par de meias! Ehhh! Invariavelmente, a lembrancinha era grudada em alguma figura, cujo formato lembrasse uma bola, gravata ou sapato recortados em cartolina. Não havia outra coisa para dar de presente aos pais: eram meias, meias ou... meias! Todo ano! Mas justiça seja feita, ao menos as cores variavam. Ou eram beges, brancas (as minhas preferidas), pretas, listradas... As meias procriavam. Acho até que a minha mãe estocava pares e mais pares de meias. Pois, no ano seguinte, com toda certeza, a escola pediria às mamães para levarem um (novo) par para que o pimpolho pudesse 'surpreender' o papai no segundo domingo de agosto. Pior talvez fosse para os pais de filhos que estavam em creches e que recebiam alguma coisa não identificada feito à mão – chique, né! – e pintado de modo a provocar inveja a qualquer artista plástico vanguardista.
E no grande dia, então, cabia aos queridos homenageados exibirem o seu melhor sorriso e deixarem aflorar todo o talento de ator para externar o ar de surpresa ao ser agraciado com (mais) um par de meias do filhão – no caso do ‘seu’ Evilásio, da filhona aqui.

Mesmo quando garotinha, eu ficava cismada com as escolhas da escola no quesito lembrancinhas. Meias? De novo? Como meu pai, eu me surpreendia todo ano com esta escolha. Pô, achava a maior falta de criatividade presenteá-lo com (mais) um par de meias. Seria a minha mãe realmente cúmplice dessa tramóia escolar?? Não lembro de vê-la entregar par de meias algum à professorinha... Será que os homens não gostam de outra coisa? Será que não apreciariam receber algo diferente? – eu me questionava. Não era possível que um pai realmente amasse tanto receber (mais) um par de meias e, ainda assim, externassem aquela alegria e surpresa que sempre nos convencia ser de muita satisfação.

E era realmente... satisfação.

Não eram as meias de marcas desconhecidas ou – quando a escola raramente variava – o pente Flamengo ou o lenço Presidente que deixavam os nossos pais tão felizes. Era o carinho, somado à inocência dos seus filhos aos lhes presentearem com algo tão simples. Qualquer algo. Fossem meias, lenços, pedras pintadas ou mãozinhas coreografando um pôster. O que os faziam de fato felizes era ser pai e ver o brilho nos olhinhos dos filhos ao homenagear o cara mais importante da vida deles.

"Ah, meu filho... não precisava!" E não precisava mesmo, acredite. "Me basta o seu carinho, o seu amor e a sua presença...!" É verdade. É a mais pura verdade. A gente não acredita quando somos filhos. Mas quando nos tornamos pais, (re) descobrimos que os melhores presentes de um filho são os reais sentimentos demonstrados por eles. O orgulho de receber de volta os valores e o amor passados desde o nascimento.

Mas muitos anos me separam daquelas meias de marcas desconhecidas. Os presentes evoluíram e o meu ‘velho’ mais ainda como pai. Ainda lembro do dia em que ele chegou e me disse com a voz levemente embargada: "Minha filha, a partir de hoje eu serei o seu pai e a sua mãe..." e me abraçou chorando. Foi a maneira que encontrou de me informar da partida de sua companheira de quatro décadas, há quase 17 anos. E até hoje, com saudáveis 82 anos de idade, dá conta dessa promessa! Mais presente do que nunca na vida dos três filhos. Como pai, superou as próprias expectativas. Está sempre repetindo para quem quer que seja que os filhos são o seu esteio. Mal sabe que ELE é o nosso esteio. Diante dele, ainda nos sentimos adolescentes dependentes da segurança e do apoio paterno. Acredito que ele ainda nos veja, literalmente, como crianças e não como 'coroas' na casa dos quarenta e cinqüenta e poucos anos. O 'velho' ainda segura as nossas mãos e nos recomenda atenção ao atravessar as ruas, fechar as portas e janelas ao se deitar e evitar estranhos que nos abordam. E toda noite, reza para a Nossa Senhora de Aparecida pelos pimpolhos das meias de sua eterna e extensa coleção.

Feliz Dia dos Pais a todos!

Feliz Dia dos Pais, pai!

quinta-feira, 7 de agosto de 2008

Ô pai!

por Ana Maria Chagas

Ah! Lá vem mais uma comemoração do Dia dos Pais e eu aqui com muita saudade do meu.
Ô pai! Como gostaria de poder andar no seu carro novamente pelas ruas do Rio, com você ao volante, parar num sinal, vê-lo apertar o botão que aciona o “limpa- vidros” desregulado, fazendo a água espirrar como um chafariz na direção da vítima parada ao nosso lado com a janela do carro aberta, fingir não olhar e manter-nos sérios até estarmos bem longe para enfim soltar gargalhadas ao vento.

Ele adorava dirigir, mas por causa da idade, foi se tornando distraído ao volante se envolvendo ocasionalmente em pequenos acidentes que o aborreciam muito, mas nos divertiam muito mais. Uma vez, em meio ao trânsito próximo ao Norte Shopping, na Zona Norte do RJ, não freou a tempo e esbarrou de leve no pára-choque do carro que estava à sua frente. Talvez por se tratar de um zero quilômetro ou por imaturidade, o motorista saiu do automóvel, olhou para o pára-choque irado e disse:

- Vai ter que pagar! Eu sou advogado! Eu sou advogado!
E meu pai com toda a calma que seus cabelos brancos lhe ensinaram respondeu:
- Não tenho dinheiro pra te pagar não! Eu sou aposentado! Eu sou aposentado!

Além de brincalhão, esse velhinho era também muito corajoso. Aos 70 anos de idade, lembro do assalto à mão armada que sofreu em 1999. Num gesto insano de defesa de seu patrimônio mais querido - um Passat 1975 – ele reagiu à ordem de entregar o automóvel para o sujeito armado sentado ao seu lado, acelerando ainda mais a velocidade e entrando na contra-mão da Avenida dos Democráticos, no bairro de Bonsucesso - RJ onde morava, lutando com o assaltante pela posse do volante até chegar ao final desta mesma avenida onde havia uma delegacia. E com uma perícia de causar inveja aos filmes de James Bond, subiu a calçada freando bruscamente, fazendo correr os policiais que ali estavam e o próprio assaltante que abandonou o carro às pressas sem olhar para trás.

Após esta overdose de adrenalina, para minha angústia, recebi seu telefonema contando a aventura da noite e de tão excitado, nem ouvia minhas súplicas pra que viesse dormir na minha casa:

- Ô pai! E se o ladrão voltar aí pai?, disse eu.
- Por isso mesmo que tenho que ficar aqui, ué! Ele pode voltar!
- Ô pai! Deixa de ser teimoso!

Mas na manhã seguinte me visitou, aparentando medo. Parecia um menino que fez algo de muito errado. Ouviu minhas repreensões, fez cara de arrependido e depois me contou com todos os detalhes o que poderia ter sido mais uma tragédia daquelas que lemos quase que diariamente nos jornais.

Perdoem-me amigos leitores. Pensando em escrever algo interessante para vocês hoje, só conseguia pensar em como ando doída de saudade.
Saudade do barrigão difícil de contornar com os braços, dos ombros de travesseiro, dos cabelos de neve e dos lindos olhos castanhos esverdeados que diziam mais do que qualquer palavra.
Eram seus olhos que comunicavam seus sentimentos.
Durante sua existência na Terra, presenciei neles alegrias, mágoas, preocupações e tristeza, mas não me recordo de vê-los com raiva de ninguém. Por mais zangado que estivesse por fora, os olhos mostravam que já havia perdoado por dentro.

Creio que sabia que não adiantava querer convencer a menina rebelde e metida à sabe-tudo que fui (fui?) com palavras, então simplesmente ficava olhando – divertido ou preocupado - meu descontrole emocional (e hormonal!) periódico de adolescente.
Acredito na vida após a morte e que um dia iremos nos reencontrar, mas isso não evita que eu sofra pelas coisas não ditas. Ah! As coisas que eu não te disse. Já são mais de três anos que relaciono todos os assuntos e sentimentos que deveria ter compartilhado e as diversas formas de declarar amor que deveria ter expressado melhor a você enquanto presente fisicamente. Será que consegue mesmo sentir isso tudo onde está agora?

Foi muito dolorido vê-lo partir, porém hoje acredito que, por seu espírito ter continuado muito jovem e repleto de energia, já não cabia mais naquele corpo físico tão envelhecido. Foi preciso então despi-lo, assim como despimos as roupas que já não precisamos mais, e assumir um novo corpo mais forte: o corpo espiritual e eterno por meio do qual continuamos nossa jornada de evolução e trabalho junto ao Grande Arquiteto do Universo.

Ô pai! Se pode mesmo me ouvir, saiba que te amarei pra sempre.

segunda-feira, 4 de agosto de 2008

Saudades do Betinho

por Ieda de Oliveira

Quando eu tinha dez anos de idade, a nossa escola levou os alunos para conhecer o Regimento de Polícia Montada da PM, em Campo Grande, subúrbio do Rio de Janeiro. Foi o acontecimento: passeio de ônibus, bagunça... E o mais importante: ficar sem aula.

Um militar nos acompanhou pelos quatro cantos, explicando tudo o que víamos.
Depois de falar sobre a história do Regimento, raças de cavalo, patentes, ordem e progresso, o martírio de três horas chegou ao final com uma surpresa para a molecada: um brinquedo e um livrinho infantil!
Obviamente o brinquedo dos meninos foi uma bola colorida. E o das meninas, claro!, uma... um boneco? “Ei... eu recebi um boneco!”, retruquei. As sacolas para as meninas tinham sido distribuídas fechadas. Portanto, não dava para ver o que havia dentro: boneca ou boneco.

Eu não gostei nada, nada. Fiz de tudo para trocar o tal boneco. Em vão. Ninguém queria trocar uma bonequinha linda, toda rosinha e de lacinho na cabeça por um boneco que segurava uma bolinha de futebol. E já tinha até menina batizando a boneca de Rita de Cássia – o equivalente a Maria Eduarda hoje.

Frustrada, levei o meu bonequinho de borracha (de pijama e bonezinho azuis) para casa e dei o nome de Betinho.
Betinho morou em todos os cantos do meu quarto. Perto da janela, perto dos livros, dentro de gavetas. Sumia por uns tempos e ressurgia num cantinho qualquer.
O tempo foi passando e, naturalmente, fui me desfazendo dos meus brinquedos. Mas nunca desfiz do Betinho, que me viu crescer, me tornar adolescente, dançar aquela música barulhenta na frente do espelho, chorar pelo primeiro amor, estudar para o vestibular e festejar o primeiro emprego. Foi um companheiro silencioso.


Quando eu tinha dezenove anos, a nossa família cresceu: nasceu a minha primeira sobrinha. A minha irmã e o marido trabalhavam e deixavam o bebê lá em casa para a minha mãe tomar conta. Nessa época, eu já trabalhava e estudava à noite.

Depois de algum tempo, dei por falta do Betinho. Ele não estava no seu lugar de costume (que por me aturar durante anos, enfim havia conquistado um lugar fixo e de honra).

- Ah, o bonequinho Betinho... Tá com a Alessandra.
- O queee?!
- Só assim ela pára de chorar e me dá descanso.
- Caramba, mãe... Dar biscoito para ela não resolve mais não?

Por eu não ser mais criança, a minha mãe não via sentido, depois de velha, em manter brinquedos e, portanto, não via problema em dar o tal boneco para distrair a neta. E , por outro lado, eu não tinha coragem de dizer que estava com ciúmes do (meu) brinquedo.

Ver o Betinho sendo sacudido e jogado para lá e para cá me doía mortalmente o coração. Era como ver a aflição daquele gatinho nas mãos da Felícia ou do cowboy Wood sendo estraçalhado pelo cachorro do vizinho! Mas a minha mãe me garantia que ela brincaria direitinho. É... mas certa vez a vi mordendo sem piedade o pompom do boné do Betinho! Eu quase sofri um infarto. Tive vontade de tomá-lo das mãos dela; resgatá-lo daqueles dentinhos afiados antes que fosse tarde. E foi o que eu fiz: para evitar o berreiro, a subornei com dois biscoitos Maria da Piraquê.


Quando eu tinha vinte e cinco anos, já ocupada demais, vi o (meu) Betinho enfeitando o quarto da Alessandra. Minha irmã me revelou que a filha era simplesmente apaixonada pelo bonequinho!
Matutei, matutei... Mas tirar brinquedo de uma menina de seis anos seria mais difícil... Ela não seria mais facilmente 'comprada' com um biscoito de novo.... Talvez um Trakinas...!

Nos anos seguintes, o Betinho morou em todos os cantos do quarto dela. Perto da janela, perto dos livros, dentro de gavetas. Sumia por uns tempos e ressurgia num cantinho qualquer. O tempo foi passando e, naturalmente, a Alesssandra foi se desfazendo de seus brinquedos, mas nunca se desfez do Betinho. Betinho a viu crescer, se tornar adolescente, dançar aquela música barulhenta na frente do espelho, chorar pelo primeiro amor, estudar para o vestibular e se formar.

No próximo domingo, Dia dos Pais, a Alessandra completa vinte e cinco anos de idade. Ocupada demais. Mas até hoje o Betinho tem o seu lugar de honra aonde quer que ela esteja.


Ainda há uma disputa velada quanto à posse do Betinho. Ela sabe que ele é meu por direito. E eu sei que ele é dela por herança. Ainda tenho ciúmes dele. Embora eu não veja dessa forma, temo parecer demasiadamente infantil e, portanto, evito discutir ‘os direitos’ sobre o Betinho em família.

Em sua crônica sobre mulheres que ainda mantém os seus bichos de pelúcia, a escritora Martha Medeiros cita um comentário do professor de filosofia Amílcar Bernardi: “o bicho de pelúcia (no caso, o Betinho) é a ligação da mulher com sua inocência perdida. O bicho de pelúcia é a materialização da sua feminilidade em um mundo onde ela foi obrigada a rugir para se dar bem. O bicho de pelúcia é a sua virgindade preservada, seu lado Sandy, a sua síndrome de Peter Pan: o espelho do quarto diz que ela está envelhecendo, enquanto que os bichinhos de pelúcia em cima da cama dizem não.”

Talvez somente agora, ao ler o comentário, eu compreenda melhor a razão pela qual, de vez em quando, preciso ver o Betinho ou ter notícias dele.

Quando me reencontra, ele vê passar toda a minha história diante dos seus olhos. Quando o reencontro, vejo passar aquela menina de dez anos.

- É... ainda estou por aqui, Betinho!

Ele sorri para mim.

sexta-feira, 1 de agosto de 2008

Desculpa qualquer coisa!

por Charles Nascimento

Na semana passada, Cafezinho com Letras recebeu a visita de José Sérgio Rocha, que ainda fez a gentileza de publicar no blog uma mensagem. Para quem ainda não teve o prazer de conhecê-lo, trata-se de um jornalista jurássico (às vésperas de celebrar o sexagenário) que, entre idas e vindas, trabalhou nos principais veículos de comunicação do país - Jornal do Brasil, O Globo e Diário de Notícias. Foi correspondente nas agências EFE e Latin Reutters, autor da biografia de Roberto Silveira (o pai) e outros tantos livros como gost writer.

O redator-que-vos-fala teve a honra de trabalhar com o ‘mais ilustre morador de Niterói’ por quase três anos. Na época, ele havia sido convidado para coordenar uma equipe de seis redatores. Sua importância para o setor pode ser resumida por meio de uma metáfora futebolística, ultimamente muito em voga: “o cara conhece os atalhos do campo entre um simples fato e a notícia”. E seus textos são elaborados com rara maestria.

Logo no primeiro encontro, Zé fez uma advertência ao redator-que-vos-fala: “Esqueça tudo que você aprendeu na faculdade. Vou te ensinar a escrever”. Desistiu antes de cumprir a promessa e saiu à cata de novos desafios – mais fáceis, evidentemente. Porém, o fracasso na tentativa de alfabetizar este redator não traz nenhuma mancha ao seu currículo. E nem causou alguma mágoa. Ao menos não, por parte deste redator. Absolutamente!

Com o tempo, o redator-que-vos-fala aprendeu que, via de regra, as grandes empresas comunicação têm em suas staffs quatro perfis diferenciados de jornalistas: os que apuram bem e escrevem mal; outros exatamente ao oposto, que apuram mal, mas escrevem razoavelmente bem. (Nota: Quando orientados corretamente pela chefia imediata, ambos se completam e acabam por desenvolver uma rotina de trabalho aceitável. Passam a vida transitando pelas redações até que encontram um par perfeito, descobrem que nasceram um para o outro e se acomodam até o fim do ciclo).

Do terceiro time de jornalistas comungam os camaradas que costumam ser apelidados de ‘grande figura humana’. Em geral, não sabem apurar, muito menos escrever. Mas estão sempre dispostos a pegar um cafezinho, verificar a grafia correta de um determinado nome estrangeiro, fazer uma pesquisa um pouco mais chata na Internet. Após a labuta, também estão sempre a postos para o tradicional choppinho de fim de noite. Em geral, têm vida longa ...

O velho Zé faz parte do seletíssimo quarto grupo, que apura as notícias e as transfere para o papel com a mesma maestria. A esmagadora maioria dos que têm perfil com tais características está ocupando função no primeiríssimo escalão da imprensa nacional. Zé é uma das raras exceções. Continua ‘pobre, pobre, pobre/De marré de si’, a exemplo deste redator (cujo talento passa ao largo). Mas aí, no caso dele, vale um adendo: o pavio do cara tem menos de um milímetro, é curtíssimo! E só isso explica sua ausência no rol dos novos emergentes ‘enricados’.

Esse blá-blá-blá todo veio à mente do redator-que-vos-fala porque em sua mensagem o Zé Sérgio solicitou histórias sobre pobreza, especialidade da casa – não as narrativas, mas a pobreza em si. Lembrei logo dele, não sei o porquê. E já que vocês perderam tempo suficiente para chegar até aqui, não custa (quase) nada ler os próximos quatro parágrafos.

Na justa hora em que os Correios decretaram o fim de uma paralisação nacional, a Caixa Econômica Federal anunciava o pagamento do terceiro maior prêmio da história, uma bagatela superior a R$ 50 milhões. Também graças ao fim da greve, os carnês de crediário, taxas, impostos e cartas de cobranças estão chegando à residência do redator-que-vos-fala às pencas – antes, ao menos, era feita em doses homeopáticas.

Diante da papelada a pagar, as cifras distribuídas pela Caixa mexem com o imaginário popular de qualquer cidadão: carrões, viagens, mansões, mulheres bonitas, ócio remunerado e por aí vai...

Pois o redator-que-vos-fala é bem mais humilde. Fosse ele o felizardo a receber a mecharia, logo no dia seguinte compraria apenas uma TV 14 polegadas – não precisava nem ser de tela plana.

Explico: a compra seria feita em 48 parcelas numa grande rede de departamentos. O redator-que-vos-fala pagaria a primeira prestação no ato e jogaria o carnê na lata do lixo, para ter a mais absoluta certeza que não o encontraria nunca mais. Pronto! Daí a dois ou três meses o nome do mais novo devedor-milionário do país seria inserido no temido Serviço de Proteção ao Crédito (SPC).

Como o redator-que-vos-fala nunca mais ia sequer cogitar a idéia de comprar nada financiado, o nome sujo não lhe traria grandes inconvenientes. De quebra, iria manter a quilômetros de distância aquela pobralhada oportunista que passa a vida precisando de fiador ou do seu nome emprestado para ‘tirar’ um produto aqui ou ali

Pobre não compra nada, ‘tira’. Mas esse também é tema de outro texto. Obrigado pela visita galera! E desculpa qualquer coisa!