quinta-feira, 7 de agosto de 2008

Ô pai!

por Ana Maria Chagas

Ah! Lá vem mais uma comemoração do Dia dos Pais e eu aqui com muita saudade do meu.
Ô pai! Como gostaria de poder andar no seu carro novamente pelas ruas do Rio, com você ao volante, parar num sinal, vê-lo apertar o botão que aciona o “limpa- vidros” desregulado, fazendo a água espirrar como um chafariz na direção da vítima parada ao nosso lado com a janela do carro aberta, fingir não olhar e manter-nos sérios até estarmos bem longe para enfim soltar gargalhadas ao vento.

Ele adorava dirigir, mas por causa da idade, foi se tornando distraído ao volante se envolvendo ocasionalmente em pequenos acidentes que o aborreciam muito, mas nos divertiam muito mais. Uma vez, em meio ao trânsito próximo ao Norte Shopping, na Zona Norte do RJ, não freou a tempo e esbarrou de leve no pára-choque do carro que estava à sua frente. Talvez por se tratar de um zero quilômetro ou por imaturidade, o motorista saiu do automóvel, olhou para o pára-choque irado e disse:

- Vai ter que pagar! Eu sou advogado! Eu sou advogado!
E meu pai com toda a calma que seus cabelos brancos lhe ensinaram respondeu:
- Não tenho dinheiro pra te pagar não! Eu sou aposentado! Eu sou aposentado!

Além de brincalhão, esse velhinho era também muito corajoso. Aos 70 anos de idade, lembro do assalto à mão armada que sofreu em 1999. Num gesto insano de defesa de seu patrimônio mais querido - um Passat 1975 – ele reagiu à ordem de entregar o automóvel para o sujeito armado sentado ao seu lado, acelerando ainda mais a velocidade e entrando na contra-mão da Avenida dos Democráticos, no bairro de Bonsucesso - RJ onde morava, lutando com o assaltante pela posse do volante até chegar ao final desta mesma avenida onde havia uma delegacia. E com uma perícia de causar inveja aos filmes de James Bond, subiu a calçada freando bruscamente, fazendo correr os policiais que ali estavam e o próprio assaltante que abandonou o carro às pressas sem olhar para trás.

Após esta overdose de adrenalina, para minha angústia, recebi seu telefonema contando a aventura da noite e de tão excitado, nem ouvia minhas súplicas pra que viesse dormir na minha casa:

- Ô pai! E se o ladrão voltar aí pai?, disse eu.
- Por isso mesmo que tenho que ficar aqui, ué! Ele pode voltar!
- Ô pai! Deixa de ser teimoso!

Mas na manhã seguinte me visitou, aparentando medo. Parecia um menino que fez algo de muito errado. Ouviu minhas repreensões, fez cara de arrependido e depois me contou com todos os detalhes o que poderia ter sido mais uma tragédia daquelas que lemos quase que diariamente nos jornais.

Perdoem-me amigos leitores. Pensando em escrever algo interessante para vocês hoje, só conseguia pensar em como ando doída de saudade.
Saudade do barrigão difícil de contornar com os braços, dos ombros de travesseiro, dos cabelos de neve e dos lindos olhos castanhos esverdeados que diziam mais do que qualquer palavra.
Eram seus olhos que comunicavam seus sentimentos.
Durante sua existência na Terra, presenciei neles alegrias, mágoas, preocupações e tristeza, mas não me recordo de vê-los com raiva de ninguém. Por mais zangado que estivesse por fora, os olhos mostravam que já havia perdoado por dentro.

Creio que sabia que não adiantava querer convencer a menina rebelde e metida à sabe-tudo que fui (fui?) com palavras, então simplesmente ficava olhando – divertido ou preocupado - meu descontrole emocional (e hormonal!) periódico de adolescente.
Acredito na vida após a morte e que um dia iremos nos reencontrar, mas isso não evita que eu sofra pelas coisas não ditas. Ah! As coisas que eu não te disse. Já são mais de três anos que relaciono todos os assuntos e sentimentos que deveria ter compartilhado e as diversas formas de declarar amor que deveria ter expressado melhor a você enquanto presente fisicamente. Será que consegue mesmo sentir isso tudo onde está agora?

Foi muito dolorido vê-lo partir, porém hoje acredito que, por seu espírito ter continuado muito jovem e repleto de energia, já não cabia mais naquele corpo físico tão envelhecido. Foi preciso então despi-lo, assim como despimos as roupas que já não precisamos mais, e assumir um novo corpo mais forte: o corpo espiritual e eterno por meio do qual continuamos nossa jornada de evolução e trabalho junto ao Grande Arquiteto do Universo.

Ô pai! Se pode mesmo me ouvir, saiba que te amarei pra sempre.

2 comentários:

Unknown disse...

Hoje é dia dos pais e gostaria de mandar um abraço para os meus dois(o de sangue e o meu sogro)que já se foram desse plano.Tenho saudades dos bons momentos que passamos juntos.Tenho certeza que eles estão em lugar muito bom.É bom relembrar os ótimos momentos em que tivemmos todos juntos.

Um beijo do esposo que te ama muito

João Alves.

Unknown disse...

Ana Maria.
Foi muito bonito o que você escreveu sobre o seu pai.Ele deve ter gostado muito.
Te amo.
Jo